Nota Introdutória
Comunicação, Género e Sexualidades: Construindo Imaginários
Communication, Gender, and Sexualities: Building Imaginaries
Comunicación, Género y Sexualidades: Construyendo Imaginarios
Publicado: 11 Julho 2023
Plural e disruptiva, a investigação centrada no género e na sexualidade tem direcionado a sua atenção para estes conceitos como categorias sociopolíticas, que representam os indivíduos, mas também como modelos analíticos a partir dos quais a subalternização e a dominação têm sido descritas e combatidas. Grande parte do pensamento neste âmbito tem-se dedicado à desestabilização das fronteiras entre o essencialismo biológico e as representações sociais e culturais, revelando como o corpo humano é sempre construído material e provisoriamente por meio de relações de poder (e.g. Rees, 2022). O género é, assim, expressão, mas também norma utilizada com frequência pelo saber especializado como reguladora de comportamentos, como dispositivo, no sentido proposto por Foucault (1999), alinhado com o sexo biológico, considerado não raro por esses saberes como seu precedente. Daí que, por exemplo, quando entendido como performance (Butler, 1990, p. 175) através da qual as pessoas repetem e normalizam certas formas de autoexpressão em detrimento de outras, o género ajuda a compreender como são as normas de género que dão sentido ao sexo e como estas influenciam a subjetividade. Já quando encarado como estrutura ideológica (Lazar, 2005) incorporada nos discursos, o género permite colocar em evidência como são naturalizadas as visões binárias da identidade e como é fixada a diferença entre o plano da normatividade e da desviância e das hierarquias que a este plano se sobrepõem.
A partir de uma perspetiva comunicacional, é no espaço público e, em particular, no desempenho simbólico dos média, que o género e a sexualidade podem ser vistos como construtos ativamente produzidos no âmbito dos imaginários que nos são oferecidos para representar o mundo e que são, pela sua omnipresença e projeção, fontes de conhecimento triunfante (Ross & Byerly, 2004). Os estudos feministas e de género têm visto nos imaginários mediáticos o poder de reforçar guiões normativos (Kim et al., 2007) e relações desiguais (Silveirinha, 2004; Simões, 2016; Tuchman, 2004[1978]), sem deixar de reconhecer o seu importante papel no estabelecimento de uma teia de sociabilidade mais justa, nomeadamente quando desafiam determinados entendimentos cristalizados da ordem social e ressignificam expressões de género (Simões & Amaral, 2022). A investigação, frequentemente alinhada com formas de ativismo intelectual, tem procurado mobilizar as agendas públicas, nacionais, europeias e internacionais para promover o aumento da participação e do acesso de mulheres e de minorias sociais à expressão nos meios de comunicação e às novas tecnologias de comunicação, bem como ao processo de tomada de decisão no setor mediático (Gallagher, 2001; Ross & Padovani, 2017). Além disso, a pesquisa também tem incidido sobre as formas de instrumentalização das lógicas de intermediação mediática contemporâneas por parte de atores políticos e sociais, com o objetivo de fixar projetos ideológicos que restauram o essencialismo biológico e lhe fazem corresponder identidades, matrizes de valores e comportamentos sociais nos planos de género e sexualidade de recorte conservador (Martins & Cabrera, 2023).
Reforçando o papel do plano simbólico na construção das identidades, legitimando dessa forma a importância dos média como um campo de análise das relações sociais, e influenciando o desenvolvimento de políticas públicas, o investimento epistemológico no género e na sexualidade a partir de uma perspetiva comunicacional oferece diversas abordagens para promover a paz e a justiça social. Este dossiê foi pensado com o objetivo de destacar, num espaço comum, a produção científica que precisamente reflita a amplitude do alcance deste campo de estudos e o seu compromisso com a sociedade.