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A Utilização dos Smartphones e a Reformulação das Relações Familiares
Mariana Pinto Gois
Mariana Pinto Gois
A Utilização dos Smartphones e a Reformulação das Relações Familiares
The Use of Smartphones and the Reformulation of Family Relations
El uso de los teléfonos inteligentes y la reformulación de las relaciones familiares
Revista Comunicando, vol. 11, núm. 2, e022018, 2022
Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação
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Resumo: A relação entre o smartphone e a família é percebida quando observamos esse tipo de tecnologia presente e influenciadora, tanto no comportamento dos indivíduos quanto na formação dos padrões diante das suas relações familiares. Seja pelo fácil acesso ou pela rápida comunicação, as disposições dessas conexões refletem nas formas de vivência e convivência das pessoas, trazendo novas formas de existir e se comunicar. Essas interações entrelaçam os ambientes digitais e as atividades reais, produzindo momentos de comunicação entre os meios online e a vida em seus espaços físicos, por onde transitam filhos, pais, avós, e seus smartphones. Portanto, esse estudo exploratório tem como objetivo compreender como se estabelecem as relações familiares a partir das experiências digitais dos seus indivíduos com o smartphone, partindo de como a dinâmica familiar se reorganiza diante dessa usabilidade individual e em comunidade. Estrutura-se a contar com uma revisão de literatura, em seguida a sua metodologia (desenvolvida por uma pesquisa qualitativa desde um guião semiestruturado) e por fim uma análise transversal dos dados recolhidos de cada família entrevistada, que nos possibilita uma comparação sob as perspectivas encontradas. Sendo assim, dispõe-se a trazer uma nova observação, a partir do smartphone enquanto uma constante inovação tecnológica, capaz de conduzir uma nova configuração no que diz respeito a dinâmica dos componentes da família, seus papéis e limites, modificando a forma de relação e interação, seja uns com os outros como com o mundo existente fora de casa.

Palavras-chave: Famílias,Smartphone,Tecnologias de Comunicação e Informação.

Abstract: The relationship between the smarthphone and family members is perceived when we observe presence and influence of this technology in their lives. Not only in their behavior as individuals but also in the type of relationship they build with their households. Whether due to easy access or quick communication, the arrangement of these connections reflects people's ways of living and coexistence, resulting in a new structure. These interactions often combine digital environments and real activities, producing moments of communication between online media and life in their physical spaces, where children, parents, grandparents, and their smartphones often travel together. Therefore, this exploratory study aims to understand how family relationships are established from the digital experiences of individuals with smartphones, starting from how family dynamics are reorganized in the face of this individual and community usability. It is structured based on a literature review, then its methodology (developed by qualitative research using a semi-structured script) and ending with a cross-sectional analysis of the data collected from each interviewed family, which allows us to compare perspectives. Therefore, it is willing to bring a new observation, from the smartphone as a constant technological innovation, capable of leading a new configuration about the dynamics of family members, their roles, and limits, modifying the format of relationship and interaction, whether with each other or with the world outside home.

Keywords: Families, Smartphone, Information and Communication Technologies.

Resumen: La relación entre el teléfono inteligente y la familia se percibe cuando observamos este tipo de tecnología presente e influyendo, tanto en el comportamiento de los individuos como en la formación de patrones en sus relaciones familiares. Ya sea por el fácil acceso o por la rápida comunicación, la disposición de estas conexiones refleja las formas de vivir y convivir de las personas, trayendo nuevas formas de existir y comunicarse. Estas interacciones a menudo entrelazan entornos digitales y actividades reales, produciendo momentos de comunicación entre los medios en línea y la vida en sus espacios físicos, donde suelen viajar niños, padres, abuelos y sus teléfonos inteligentes. Por lo tanto, este estudio exploratorio tiene como objetivo comprender cómo se establecen las relaciones familiares a partir de las experiencias digitales de sus individuos con el teléfono inteligente, a partir de cómo se reorganizan las dinámicas familiares frente a esta usabilidad individual y comunitaria. Se estructura a partir de una revisión bibliográfica, luego de su metodología (desarrollada por una investigación cualitativa a partir de un guión semiestructurado) y finalmente un análisis transversal de los datos recogidos de cada familia entrevistada, que nos permite contrastar las perspectivas encontradas. Por ello, está dispuesto a traer una nueva mirada, desde el smartphone como constante innovación tecnológica, capaz de liderar una nueva configuración en cuanto a la dinámica de los miembros de la familia, sus roles y límites, modificando la forma de relación e interacción, ya sea con entre sí o con el mundo fuera del hogar.

Palabras clave: Familias, Teléfono Inteligente, Tecnologías de la Información y la Comunicación.

Carátula del artículo

Comunicação e Cultura Digital

A Utilização dos Smartphones e a Reformulação das Relações Familiares

The Use of Smartphones and the Reformulation of Family Relations

El uso de los teléfonos inteligentes y la reformulación de las relaciones familiares

Mariana Pinto Gois
(ISCTE), Portugal
Revista Comunicando
Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, Portugal
ISSN: 2184-0636
ISSN-e: 2182-4037
Periodicidade: Semestral
vol. 11, núm. 2, e022018, 2022

Recepção: 01 Julho 2022

Aprovação: 29 Setembro 2022

Publicado: 07 Novembro 2022


A Utilização dos Smartphones e a Reformulação das Relações Familiares

1. Introdução

Definir a família é uma tarefa complexa, tendo em conta que essa instituição pode ser vista como um grupo considerado pelas mais diversas formas, situações e configurações. Como sugere Amazonas et al. (2003) a família surge como o primeiro ambiente de socialização e opera como fator essencial para formação dos padrões, modelos e influências culturais. Kreppner (1992) caracteriza a família como a primeira instituição social que, para os membros mais novos, é responsável por proporcionar o crescimento e o bem-estar, e se faz atuante principalmente na transmissão de valores, crenças, ideias e significados.

As gerações percebem gradativamente o aumento da inserção das tecnologias no seu cotidiano e nas suas experiências históricas e sociais. A utilização de novas ferramentas comunicativas e as novas possibilidades de se comunicar, seja em ambientes públicos ou privados, são também os principais responsáveis pela reconfiguração dos domínios sociais. Torna-se mais difícil pensar em um ambiente doméstico sem incluir aparelhos de televisão, caixas de som acústicas, videogames, impressoras, notebooks, tablets e smarpthones, conectados, ao mesmo tempo e sob uma mesma rede de internet.

O telefone móvel, em particular, atinge a convergência de todos esses aparelhos em um só, e vem promovendo mudanças diretas no comportamento social. Sua incorporação no Brasil se dá em alta velocidade e se observa um aumento quanto à preferência na utilização do smartphone dentro da casa dos brasileiros que assume a condição de dispositivo tecnológico dominante, capaz de incorporar diversas funções das outras Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), e possibilitar uma nova forma de constituir essas relações.

O uso do smartphone, atrelado à rapidez das conexões em rede e a facilidade de comunicação, refletem principalmente nas formas de convivência entre as pessoas. A materialidade da mídia possibilita a construção do apego emocional a partir de recursos como a fotografia, a forma de ouvir músicas, ver filmes, ler livros, se comunicar e utilizar dispositivos móveis.

Como sugerem Neves e Casimiro (2018), é importante perceber a relação entre o smartphone e a família a partir da observação desse tipo de tecnologia móvel enquanto dispositivo material autônomo, com o potencial de influenciar e alterar os padrões das relações familiares. Além de caracterizarem-se como meios alternativos para atender às funções e necessidades familiares, modificando as formas pelas quais essas famílias operam nos seus espaços.

Diante disso, o objetivo desse trabalho é compreender como se estabelecem as relações familiares a partir das experiências digitais dos seus indivíduos com o smartphone, seus contextos de uso, e como a dinâmica familiar se reorganiza a partir dessa usabilidade. Para isto, aplicou-se um guião de entrevistas com mães e filhos de uma mesma família, totalizando quatro famílias, onde os perfis das mães e de seus filhos foram traçados para cruzar suas observações e seus dados coletados, com o intuito de compor uma análise transversal a fim de estabelecer relações entre as famílias entrevistadas, com diferentes formações, estruturas e constituições socioeconômicas.

Este artigo divide-se em três partes. Traz num primeiro momento a revisão de literatura, onde discorre-se sobre conceitos indispensáveis para que se alcance uma imersão necessária diante do objeto dessa investigação. Em seguida, apresenta-se a metodologia utilizada, a partir do desenho da investigação e a recolha dos dados constituídos, através de uma pesquisa qualitativa realizada com um guião semiestruturado. E, por fim, uma análise transversal dos dados recolhidos de cada família que participou do estudo, comparando-as e distinguindo as novas perspectivas que surgem a partir delas, apresentando novos direcionamentos e sugestões para esse tema, seja no campo prático ou no campo acadêmico.

2. Revisão Teórica
2.1. O Estudo das Gerações e a Influência das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)

O sociólogo alemão Karl Mannheim (1952) identifica experiências históricas e sociais — individuais ou coletivas — como responsáveis por aproximar indivíduos e proporcionar uma identificação entre participantes de um mesmo grupo social. Essas unem-se também ao uso das TICs, compondo conexões entre memórias históricas e os meios de comunicação.

É comum existir apego emocional dos usuários a esses dispositivos, percebendo o tempo e a materialidade da mídia, seja ao vinil, a fotografia, a música, um livro, ou a filmes antigos. Esses elementos trazem à tona a nostalgia, o resgate de sensações e experiências emocionais vividas ao longo das suas gerações. A partir daí, como sugere Mannheim (1952), pode-se perceber que a geração como localidade precisa ser observada não apenas como localidade temporal no processo histórico, mas também como localidade espacial, isto é, localidade do espaço geopolítico, mas principalmente tecnológico e cultural da mídia.

A relação existente entre a mídia disponível num dado momento, os seus públicos e as suas culturas de consumo de mídia formam o que Bolin (2014) descreve como gerações de mídia (media generations), que nos permite construir uma abordagem cultural, vista pela construção do pertencimento da própria geração, o que inclui também as tecnologias de mídia.

A diferenciação no comportamento dos indivíduos com diferentes tipos de práticas e hábitos diante das novas funções da mídia e das tecnologias, e ainda sua aplicação, é crucial para a percepção e o entendimento da inserção das TICs no ambiente familiar, já que nele existem, como aponta Bolin (2014), várias gerações, com relações intergeracionais (de gerações diferentes) e intrageracionais (na mesma geração). Ou seja, cada geração compartilha também, por meio da mídia e das tecnologias, novas narrativas e discursos que ajudam a estabilizar os hábitos de consumo e consolidar sua identidade.

2.2. O Contexto Familiar e as TICs

Como sugere Bacigalupe et al. (2014), essas tecnologias são observadas como um novo componente do núcleo familiar, sendo parte pertencente e integrante dos seus processos e dinâmicas, e por isso se faz necessário considerar a sua inserção como elemento ativo na família, levando em conta o desenvolvimento dos seus indivíduos a partir delas, representados pelas suas gerações de filhos, pais e avós.

Já a autora Gois (2021), chama a atenção ainda para a influência que emerge do processo de interação entre as pessoas e a tecnologia, quando percebe a capacidade de interferência que um indivíduo pode exercer sobre o outro, e observa como as relações sociais desenvolvem-se pela adoção dessas tecnologias dentro do ambiente doméstico. Ou seja, o comportamento que surge através da introdução das novas e desconhecidas tecnologias no ambiente familiar, pode provocar uma readaptação e alteração das dinâmicas das famílias, remetendo ao processo definido por Silverstone (2006) como a domesticação das TICs.

Esse processo, reconhecido pela chegada massiva das tecnologias aos lares e seu uso cotidiano, é responsável pela observação à introdução dessas inovações tecnológicas por meio de aproximações e da interação entre a tecnologia e as pessoas. É importante enfatizar que a adoção dessas tecnologias pode modificar a forma de se relacionar dentro de casa, tornando essas relações mais complexas, permitindo-as sofrerem alterações após a introdução de um novo dispositivo, solicitando uma renegociação de espaços e regras à sua utilização. Além de aprofundar-se em como se dá o consumo dessas tecnologias, a construção das identidades a partir da sua utilização (quanto a apropriação das TICs), a dificuldade em lembrar-se de como era a vida antes das tecnologias e como os espaços são repensados enxergando o online e offline ou o que é mesmo público e privado.

Nessa perspectiva, é importante trazer para essa discussão o que Roger Silverstone (2006) discorre sobre a caracterização dessa domesticação, baseando-se na observação de situações distintas sinalizadas em quatro momentos. No primeiro a apropriação, onde percebe-se a existência do processo de adoção ou consumo de um bem material ou imaterial na vida das pessoas dentro do seu contexto doméstico e social. Em segundo a objetivação, ou seja, o processo que envolve as pessoas em uma série de negociações baseadas na necessidade do equipamento, como o investimento, regras de uso e local de instalação. Em terceiro percebe-se a incorporação, chamando atenção para a domesticação, não como processo único, e sim, caracterizado por uma negociação permanente entre os indivíduos, que discute como essa tecnologia será adotada dentro do lar. Por fim, a conversão, que se refere à uma negociação diante da interação individual ou coletiva com esses dispositivos.

Todavia, essa domesticação pode ser tanto um processo complexo de inclusão, como também de exclusão dessas novas tecnologias. Onde esses dispositivos ou serviços podem ser desconhecidos, mas também excitantes, e vistos como ameaçadores e incompreendidos, encontrando-se diversas vezes inseridos ou retirados de acordo com o controle dos seus utilizadores domésticos (Silverstone & Haddon, 1996, p. 60).

Observando a partir desse enquadramento, das mudanças de estrutura e alterações no processo familiar, faz-se necessário adentrar ao conceito de intimidade, cuja definição sugere a mudança na formação de relacionamentos e processos de iniciação e de alteração, vista na forma como esses relacionamentos são mantidos, e como podem ser alterados pela inserção das TICs nesse contexto social. Neste sentido, Hertlein e Stevenson (2010) caracterizam esse processo de intimidade como as sete vulnerabilidades ecológicas, que são identificadas como: anonimato, acessibilidade, viabilidade, aproximação, ambiguidade, acomodação e aceitabilidade.

De início citamos o anonimato, pontuado por Cooper (2013) quando usuários da Internet conseguem mascarar a sua identidade com relação à informação demográfica (idade, sexo, etnia) e a sua personalidade. Outros dois fatores são a acessibilidade e a viabilidade, reforçados pelo autor devido ao fácil acesso a internet, caracterizando um meio acessível e muitas vezes gratuito.

Outro fenômeno observado é a aproximação, decorrente do uso das TICs nas relações pessoais, o que para Walther e Burgoon (1992) acontece quando usuários dos meios online utilizam métodos que tentam reproduzir as representações reais, simulando interações pessoais como se estivessem face a face. Estende-se ainda quando mencionam que, nesse contexto, os usos dessas tecnologias auxiliam principalmente no relacionamento familiar, mantendo os laços entre parentes que são separados fisicamente e tem a distância como principal implicação para o afastamento.

A ambiguidade é vista por Hertlein & Stevenson (2010) como a mudança que pode ocorrer no comportamento dos usuários no meio online, partindo da existência de diferenças entre a definição de condutas das pessoas. Os autores acreditam que alguns usuários podem considerar o seu desejo em ver pornografia online, por exemplo, como um fator problemático, mas que não é uma regra ou um ponto de vista geral e que varia de acordo com cada utilizador.

Já a acomodação apresenta que as tecnologias avançadas proporcionam um lugar para que os sujeitos ajam de acordo com o seu verdadeiro eu, desprendidos do que é imposto enquanto comportamento ideal pela sociedade (Rabby & Walther, 2003) e traz uma intenção em agir de acordo com comportamentos diferentes dos vividos na vida offline. Por fim a aceitabilidade, que os autores Madden e Lenhart (2006) descrevem como a dependência que os usuários criam, a partir do uso das tecnologias, para o desenvolvimento dos seus relacionamentos românticos. E que também tem se tornado uma norma no universo de crianças e adolescentes, que começam a relacionar-se, através do uso de smartphones.

2.3. A Utilização do Smartphone pelas Famílias

Dadas essas definições, podemos perceber que à medida em que as tecnologias são integradas nos lares, observam-se mudanças no funcionamento das relações e na redefinição das suas regras (Daneback et al., 2005), sendo alguns pontos dessa atividade familiar relevantes para investigação como a comunicação; o tempo em família; a manutenção de fronteiras; a coesão; os papéis; as regras; e os conflitos intergeracionais. Dessa forma, se formam novos padrões de utilização dessas tecnologias que abrangem não só o relacionamento do casal, mas também como os pais promovem regras particulares sobre o uso dessas tecnologias pelos seus filhos.

Para a indústria, o smartphone é sinônimo de telefones móveis de alta tecnologia, que, diante da sua grande capacidade de processamento, pode ser comumente chamado de “telefone inteligente”. Entretanto, como afirma Gois (2020) o smartphone é um dispositivo que materializa a união de várias tecnologias e é capaz de promover mudanças no comportamento social. Sua disseminação se deu em grande velocidade e intensidade em todo o mundo, e a disposição da mobilidade popularizou-se nos vários grupos sociais, com pessoas de várias idades e classes sociais diferentes.

O dispositivo possibilita associar-se também às notícias, canais de TV, vídeos e músicas, por exemplo, o que exibe o seu poder em convergir os mais variados tipos de aparelhos em um só (Gois, 2020). Além disso, diferencia-se de outras tecnologias (com habilidades similares) pela fácil mobilidade e presença cativa ao lado do seu utilizador, sinalizando o conceito de ubiquidade na medida em que realça ainda mais a sua onipresença na rotina dos indivíduos.

Todavia, é através da caracterização da domesticação dessas tecnologias mencionadas por Silverstone (2006) que percebemos a incorporação do smartphone como elemento cativo dentro da casa, transformando o comportamento dos indivíduos com respeito a sua relação física dentro do ambiente doméstico e sua inserção na rotina social, como a habilitação ao dispositivo. Conforme apontado por Gois (2020), na habilitação é comum identificar que os adultos constroem um discurso de adesão ou de resistência a introdução dessa tecnologia que os jovens não apresentam. É como se, para os mais velhos, existisse uma necessidade em dominar o dispositivo para que se consiga tornar comum e simples a sua utilização. E os mais jovens, em contrapartida, não precisam passar por esse processo, pois relacionam-se naturalmente, com maior facilidade e usabilidade, por enxergar o smartphone como um instrumento de comunicação e formação de vínculos sociais.

Outro fenômeno a ser pontuado é o critério da não adoção dessas tecnologias, comentado por Haddon (2004), quando demonstra a resistência de alguns indivíduos em adotar esses tipos de dispositivos. Nessa situação específica, algumas pessoas acreditam na dependência que a utilização dessas tecnologias pode causar, além de produzir um impacto negativo às suas vidas. Por outro lado, levantamos também um discurso ambíguo (ou de ubiquidade), quando seus usuários afirmam não conseguir ficar sem o dispositivo consigo, mas ao mesmo tempo, confessam que seria prazeroso fazer qualquer outra coisa que não o prendesse ao telefone, construindo assim uma opinião difusa sobre a sua utilização.

Também se faz importante aqui pontuar a relação da expectativa da criança e seu interesse por essas tecnologias (Gois, 2020). Uma vez que, a relação infantil com o smartphone é capaz de alterar a percepção e o grau de independência da criança, tornando-se necessário melhorar as experiências e interações entre pais e filhos. Esse tipo de utilização pode acarretar também na diminuição do tempo passado em família e no maior distanciamento físico e afetivo entre os membros da mesma família.

Preocupadas em adquirir essa independência prematura, observam-se crianças que almejam a aquisição do smartphone cada vez mais cedo, alegando o aumento da sua privacidade. O que atende (por concordância dos filhos), como facilitador para o monitoramento e a vigilância dos pais, através de tecnologias de mensagens, videochamadas e do GPS, existentes nesses telefones móveis.

Essas funcionalidades, como demonstram Bacigalupe e Lambe (2011) e Stern e Messer (2009), podem ser também utilizadas para a manutenção de relações à distância, onde a família consegue se fazer presente, mesmo que virtualmente, e manter as relações e a identidade familiar com parentes que moram em outras regiões, reproduzindo comportamentos virtuais como se estivessem fisicamente presentes.

E por citar as relações, apresentada por Campos (2009, p. 14) como “o ponto de ligação entre o indivíduo e o social”, e realizadas pelo smartphone de forma virtual, é indispensável mencionar as redes sociais digitais, como ferramenta mais utilizada nesse dispositivo pelos seus consumidores. Referidos por Torres (2009, p. 114) como “sites ou recursos que permitem a interação e a troca de informações entre pessoas, ou melhor, redes de pessoas formadas por meio dos recursos dos sites que participam”.

3. Metodologia

Valendo-se da necessidade de assumir uma diretriz metodológica enquanto caminho sistemático para entender o tema de análise, que de acordo com a socióloga Maria Cecília Minayo (2010), tem como objeto de análise o próprio ser humano e os fenômenos que ocorrem dentro de seus contextos históricos e sociais, a pesquisa de natureza qualitativa foi aplicada.

Portanto, aplicou-se um guião semiestruturado adaptado do guião de entrevistas de história de vida, utilizado no projeto Inclusão e Participação Digital (Ponte & Simões, 2012), em oito entrevistas com membros de duas gerações de quatro famílias diferentes. As entrevistas foram realizadas em momentos separados com as mães e depois com os filhos/as, registradas por gravação de áudio, previamente acordadas e obrigatoriamente executadas em seu ambiente familiar.

É de se relevar que a escolha específica da figura materna se justifica pelo fato de que é comum encontrarmos pais que migraram de famílias e de lares. Já que o Brasil apresenta um panorama de monoparentalidade, de acordo com o Censo Demográfico de 2010 feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que apresenta um aumento na ocorrência de configurações familiares monoparentais femininas de 15,3%, no ano de 2000, para 16,2%, em 2010. Indicando que do total de famílias brasileiras monoparentais, 87,4% têm a mulher como responsável familiar (IBGE, 2010).

Delineou-se a mesma margem de idade entre o grupo de mães e o grupo de filhos/as, com o objetivo de sinalizar duas gerações da mesma família e selecionou-se quatro pares a partir de amostragem intencional e conveniência da entrevistadora, assegurando para além da diversidade geracional, uma maior abrangência de contextos socioeconómicos diferentes. Utilizou-se contraste de variáveis pré-estabelecido, ou seja, diferentes profissões e situação socioeconómica das mães entrevistadas, como exposto na Tabela 1, a fim de entender melhor o uso do smartphone enquanto objeto de estudo em diferentes cenários, enquadramentos e experiências, posicionando-o em contextos opostos.

Tabela 1
Quadro de características dos níveis socioeconômicos

Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa – 2018

Sendo assim, foram entrevistadas quatro mães com idades entre 42 e 50 anos, e quatro filhos entre 11 e 20 anos de idade, atendendo ao contraste das rendas familiares, que variaram de classe social, exibindo diferentes configurações no que diz respeito ao poder de aquisição, hábitos, conduta familiar e formas de educação.

Para o guião de entrevista elaborou-se dois tipos de questionários, sendo um para as mães e outro desenvolvido para atender os filhos, com questões contextualizadas para facilitar a compreensão e conseguir uma maior interação durante a conversa. Essas entrevistas foram realizadas no mês de janeiro do ano de 2020, na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, no nordeste do Brasil.

Durante as conversas, a pesquisadora desenvolveu anotações referentes a observações sobre à configuração da família, o seu ambiente e a disposição desses dispositivos tecnológicos disponíveis. Após a conclusão das entrevistas, foram produzidas transcrições e suas notas foram devidamente adicionadas ao material da entrevista, a fim de prosseguir com o processo de análise temática, de natureza qualitativa.

A partir daí, estabeleceu-se uma análise transversal dos dados, onde foi necessário inicialmente fazer uma leitura cuidadosa das transcrições das entrevistas, a fim de detectar os temas e tópicos gerais que estas apresentavam. Todo esse processo foi disposto a partir de tabela, como se vê na Tabela 2, separadas por famílias, resultando na identificação de categorias por derivação empírica. Para manter o anonimato das pessoas entrevistadas, optou-se por nomeá-las de mães: Maria, Linda, Tâmara e Ana correspondentes aos filhos (as): Óscar, Francisca, Themis e Sara, sendo a primeira mãe para o primeiro filho(a) e assim por diante.

Tabela 2
Quadro de Apresentação das Estruturas das Famílias

4. Resultados e Discussão

Com essas direções, levantamos como ponto inicial a análise referente à base estrutural vista nas famílias, dada pela correspondência entre a idade das mães (42 a 50 anos) e dos filhos/as, que em sua maioria, também se assemelham e permeiam dos 10 aos 14 anos, sendo Francisca (20 anos) a única filha com idade mais avançada. Também é importante levantar a diversidade entre as classes sociais, e nessa perspectiva enxergam-se duas famílias de periferia, caracterizando uma classe social mais baixa, e duas famílias de classe média alta, o que proporciona alteração na formatação dessas residências.

Outro ponto a ser observado é a duração de cada entrevista, que evidencia não só o tempo que cada entrevistado dedicou às suas respostas, mas principalmente a extensão do conteúdo e a disposição para a comunicação, retratados por cada indivíduo durante o seu discurso. Nesse caso, apontamos a inibição, como fator marcante especialmente nas entrevistas das mães das famílias referentes a classe menos favorecida, que inclui sempre respostas curtas dadas por seus entrevistados, onde a inserção de alguém de fora e de outra classe social pode ser responsável por um desconforto, resultante dessa exposição.

Os seus componentes evidenciam também uma certa dificuldade de comunicação e de transmissão da informação, para o que pode ter contribuído a própria natureza das perguntas, algumas levando a recordações e a constatações que evocam dificuldades, bem como a juízos sobre como se estão a apresentar perante estranhos, de outra situação social, constatados no caso da mãe Maria, onde algumas respostas pareceram evocar lembranças desagradáveis. Já por contraste, as duas mães das famílias de classe mais elevada deram entrevistas extensas, numa vontade de conversar que contrasta com o ponto anterior.

Partindo para a análise geracional, é apontada uma aproximação entre as gerações das mães, que viveram na sua juventude acontecimentos semelhantes. Tâmara e Ana, nascidas no final da década de 1970, de famílias com poder aquisitivo semelhante e jovens na década de 1990, cresceram com a comercialização do gravador VHS (1976) e do walkman (1979). Tâmara ainda relembra o gravador de voz, a popularização dos computadores de mesa (1981) e a World Wide Web (1991). Entretanto, as memórias destas duas mulheres adultas de classes socialmente favorecidas contrastam com as memórias trazidas por Maria e Linda, cuja trajetória coincide na migração de uma pobreza rural para uma pobreza urbana.

Maria viveu a migração do interior para a cidade e um cenário de mudanças na família e Linda, que também passou pelo processo de migração do interior para a cidade, comenta que durante a sua infância, ainda no interior, teve difícil acesso a televisão. Ambas têm pais analfabetos e enxergam uma desvalorização quanto a importância da educação na família constituída pelos seus pais. Já as mães correspondentes as classes favorecidas, apresentaram estímulo para estudar por possuírem pais graduados, que durante as suas infâncias apresentavam a educação como prioridade. Contudo, apenas Ana, se dedicou a aprender outras línguas.

Para os espaços de convivência durante a infância, Linda, Tâmara e Ana utilizavam espaços abertos para desempenhar suas atividades, mostrando a liberdade e independência que tinham em comum, para transitar pelas ruas na época. Já os valores transmitidos pelas suas famílias são também comuns: giram em torno do respeito, da religião e dos valores passados pelos pais e avós ao longo da juventude, em posições de cariz conservador.

Maria mostra uma outra configuração, sem a presença dos pais durante a infância e ao longo da sua vida, apresenta uma infância interrompida pela necessidade em trabalhar e a gravidez precoce; enxerga a mudança intergeracional apenas pela perspectiva dos seus filhos, deixando de lado a sua perspectiva quando criança.

Nessa perspectiva percebe-se dois grupos de mães, como visto na Tabela 3, que se assemelham quanto aos seus locais geracionais e sua unidade geracional. No que concerne à estrutura econômica e de poder, Tâmara e Ana se aproximam, pertencentes a classes sociais e espaços similares na infância, e compartilham das mesmas experiências e visões, a partir delas. Já Maria e Linda, também de classes sociais análogas, passaram por processos de migração, e foram expostas a vivências equivalentes.

Tabela 3
Análise da Configuração do Grupo de Mães

Partindo para a análise das entrevistas e a configuração das crianças, os filhos de Maria e Linda (Óscar e Francisca respectivamente) apesar de pertencerem a uma classe social semelhante e possuírem pais que não se dedicaram muito aos estudos, diferem quanto a valorização da educação pelas suas famílias: Óscar não é muito incentivado a estudar dentro de casa, enquanto Francisca exibe ter todas as condições favoráveis e estímulos para isso. Contudo, as filhas de Tâmara e de Ana (Themis e Sara respectivamente) se assemelham, assim como as mães, quanto a sua unidade geracional, por pertencerem ambas a um grupo social mais elevado. Ambas têm pais graduados e pós-graduados, e mostram uma forte representação da educação enquanto prioridade, passada pelas gerações das suas famílias.

Tabela 4
Análise da Configuração do Grupo dos Filhos/as

Quanto às suas idades, três dos quatro filhos nasceram já depois dos anos 2000. Apenas Francisca (por ser a mais velha dentre eles) tem memória mais marcante quanto a acontecimentos vistos na TV, por exemplo. O que nos mostra que são jovens que já estão ligados intimamente à expansão exponencial da internet e dos aparelhos tecnológicos.

Com relação ao tempo dedicado para aprender outros idiomas, apenas Óscar (o mais novo) não tem nenhum conhecimento de outra língua. Comparando o quadro das mães com o quadro dos filhos, verifica-se que, apesar da maior parte dos filhos saberem outra língua, existe uma relação com a configuração das mães: Ana se sobressai diante das outras mães e, consequentemente, Sara aparece como a filha com maior domínio de outros idiomas.

No que se refere à relação dos entrevistados com as tecnologias que se faziam presentes na infância, as mães com menor condição social, relembram um escasso número de aparelhos em seus lares, tendo o rádio e a televisão como meios utilizados em comum. Já as mães que cresceram em famílias com maior poder aquisitivo (Tâmara e Ana) recordam uma gama extensa de tecnologias quando crianças, chegando até oito dispositivos na memória de uma delas.

Portanto, percebe-se que famílias com estruturas mais sólidas e maiores condições de renda, disponibilizaram de imediato aos seus filhos essas novas tecnologias, possibilitando o contato dessas crianças com as inovações tecnológicas disponíveis da época. E com esse contato as tornaram aptas a lidar com esses dispositivos com maior facilidade, possibilitando mais absorção de informação através deles, contribuindo para a educação e afetando o seu desenvolvimento durante todo o seu ciclo de vida. Isso é complementado por Amichai-Hamburger e Hayat (2011) e Cardoso et al. (2008), quando afirmam que esses dispositivos são capazes de alterar o trabalho, a educação, a percepção de si mesmo, dos seus grupos e das suas comunidades.

Já os filhos, se tratando do número de dispositivos reconhecidos em casa quando mais novos, é o mesmo para todos, variando apenas quanto à disposição. Óscar, o mais novo e de condição mais desfavorecida, é o único que menciona o rádio com tecnologia presente no lar (dispositivo também citado pela sua mãe) e comenta o uso da câmera fotográfica unicamente pela sua mãe. Já as outras crianças referem computadores, tablets e o telefone móvel como tecnologias. Diante disso, é importante observar aqui a convergência dos meios de comunicação (Jenkins, 2008), que define transformações tecnológicas, mercadológicas e sociais, quando comparamos a quantidade de tecnologias utilizadas pelas mães durante suas infâncias, e na infância dos filhos. O que nos mostra que, com o passar do tempo as funções dos dispositivos se uniram em um só aparelho, sendo este capaz de satisfazer diversas necessidades e realizar várias atividades, ao mesmo tempo.

Partindo para a relação com as novas tecnologias, podemos associar também as respostas dos filhos com as respostas das mães, já que são apresentados valores em comum. Relacionando o número de membros que residem na casa ao número de TICs existentes, verifica-se para todas as famílias um smartphone por indivíduo independente da sua configuração ou classe social. Retomamos então a incorporação enquanto fenômeno que se dá a partir da adesão das famílias às novas tecnologias, nesse caso em especial ao smartphone enquanto dispositivo tecnológico.

Nessa comparação, também é importante levantar o conceito de convergência das mídias quando comparamos os quadros das tecnologias, antigas e novas, citadas especificamente pelas mães, apresentando a existência de menos aparelhos tecnológicos, hoje dispostos nos lares, já que um mesmo meio pode desempenhar várias funções.

Reconhecemos então a partir desses cenários das tecnologias atuais, os pontos referentes a caracterização da domesticação das TICs, associando a apropriação enquanto processo de adoção dessas tecnologias, e citada por Maria quando relata que ganhou do filho o seu smartphone; a objetivação, dada pelas negociações de investimento, regras de uso e local de instalação, em torno da necessidade em adquiri-las, expostas por Tâmara quando comenta deixar de lado o telefone fixo para usar o whatsapp como meio de comunicação no trabalho; a incorporação, que define como essa tecnologia será adotada dentro do lar e suas rotinas, percebidas quando Óscar comenta o controle de tempo de uso imposto pela mãe; e a conversão, que gira em torno das atividades e de como delas se fala, vistas por Sara quando comenta a ausência de computadores na escola, mas a facilidade de fazer pesquisas pelo telefone móvel.

Adentrando para o cenário do smartphone enquanto tecnologia ativa dentro dos lares, seguimos para a relação das mães com esse dispositivo. Percebemos que, diferente dos outros cenários, a classe social não interfere na usabilidade ou nas suas práticas. Os aplicativos de maior utilização mencionados são: whatsapp, redes sociais digitais, Netflix, aplicativos de bancos, e de pesquisa de informações. Em sua maioria, com exceção de Linda, o trabalho se destaca enquanto principal motivo para a sua utilização, mas essa mãe enfatiza a utilização do seu dispositivo para controle dos filhos e nos apresenta a vigilância, quando utiliza o smartphone como ferramenta para o monitoramento, através das suas funcionalidades.

Outro ponto em comum nas respostas dos entrevistados refere-se ao contato à distância, mencionado por Bacigalupe e Lambe (2011) e Stern e Messer (2009), pelas funções dos aparelhos que permitem a família reproduzir comportamentos virtuais como se estivessem fisicamente presentes, diante um do outro. Nesse caso, mostra o smartphone como facilitador, citado por possibilitar que essas famílias se aproximem dos seus familiares que moram em outras regiões.

As mães Maria e Ana comentam a preferência em utilizar o smartphone durante muitas horas do seu dia, enquanto Linda e Tâmara afirmam uma certa resistência na adoção da tecnologia, e concordam em destinar ao uso dele apenas seus horários de descanso e intervalo. O que corrobora com o que afere Haddon (2004), quando apresenta a não adoção e a resistência de alguns indivíduos em adotar esses tipos de dispositivos.

Abordando os pontos negativos desse dispositivo, Linda, Tâmara e Ana exibem que o smartphone atrapalha a concentração para as suas atividades, interferindo no tempo de descanso e afastando as pessoas que estão fisicamente presentes nas suas vidas. Ou seja, há aqui uma ambiguidade nos discursos, já que essas mães enfatizam a necessidade do aparelho e ao mesmo tempo confessam que preferem fazer outras atividades e diminuir a sua dependência, construindo assim uma opinião difusa sobre a sua utilização.

Em contraponto, Maria é a única mãe que não enxerga problemas na sua utilização, e é também a única que apresenta regra de utilização do aparelho dentro da sua casa. Ou seja, pela classe social, a possibilidade de espaços abertos e estrutura da família, Maria preza o espaço da rua, e por isso faz o controle ao uso do smartphone dentro de casa.

Partindo para a análise dos filhos, especificamente quanto ao uso do smartphone, percebemos que também não existe relação entre as classes sociais e o uso desse dispositivo para as crianças. Como pontos positivos da sua utilização, referem em unanimidade ao advento de possibilitar o contato a distância com seus familiares, enxergando também, em alguns casos, como facilitador para o desenvolvimento de pesquisas. O tempo de utilização de Themis e Sara gira em torno apenas dos seus horários de descanso. Francisca, por ser maior de idade, mostra contabilizar e ter uma definição exata das horas que utiliza por dia, o que nos faz enxergar uma relação de controle, por perceber a dependência ao smartphone, trazendo novamente o conceito de ambiguidade.

Quanto as regras de utilização, Francisca, Themis e Sara consideram que não existem dentro de casa, o que difere da análise de Maria e Óscar, onde existem regras de utilização em seu lar, o que leva a não utilizar tanto o smartphone no seu dia a dia, e consequentemente fazer outras atividades, em espaços abertos.

5. Conclusões

Ao fim desse estudo, percebemos que independente do modelo em que se enquadra a família, sempre será vista enquanto primeira instituição social na vida dos indivíduos. Como afirma Dias (2000), a família é responsável por contribuir com soluções integradoras, auxiliando os seus membros em suas construções, sejam elas individuais ou coletivas. No entanto, apesar de percebida como primeira instituição permanente ao longo do tempo, passa por alterações e mudanças sociais, que englobam processos de industrialização, urbanização e em tempos mais recentes, a inserção das TICs dentro dos lares.

Partindo para um panorama geral e final dessa análise, tendo em vista o cruzamento das informações coletadas nesse trabalho junto aos fenômenos aqui citados, apontamos oito pontos de observação destas famílias para esse trabalho, que são: a análise geracional; a configuração e estruturação das famílias; a relação dos entrevistados com as tecnologias que se faziam presentes na infância; a relação com as novas tecnologias; o smartphone enquanto tecnologia ativa dentro dos lares; os pontos positivos e negativos desse dispositivo; e as suas regras de utilização em casa.

Para o primeiro apontamento observamos a vivência das mães vindas de formações escolares de níveis menores, com menos condições de vida, que se assemelham quando possuíram pais analfabetos. Esse fator acabou por não possibilitar um futuro profissional próspero à ambas. Em contrapartida as mães que correspondem às classes sociais mais altas (com pais graduados) e viveram um estímulo maior para estudar, tratam a educação como prioridade dentro dos seus lares, e seus filhos apresentam uma maior facilidade de se expressar e fluência para outros idiomas, o que os ajuda também na inserção ao meio digital.

Observando como essas famílias vivenciam os processos de adoção e interação com esses produtos e seus recursos tecnológicos, percebeu-se que para as memórias referentes às tecnologias antigas, as duas mulheres adultas de classes socialmente favorecidas contrastam com as memórias trazidas pelas outras duas mães que tiveram menos condições durante a infância. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que as famílias com melhores estruturas e maiores condições de renda disponibilizaram de imediato aos seus filhos as novas tecnologias e tornaram essas crianças aptas a lidar com esses dispositivos com maior facilidade.

É importante também mencionar que na situação de comparação entre mães e filhos, com o passar do tempo as funções dos dispositivos se uniram em um só aparelho, facilitando a realização de várias atividades ao mesmo tempo, reafirmando o que define Jenkins (2008, p. 29) como convergência dos meios de comunicação.

Analisando como membros de uma mesma família se relacionam entre si a partir da inserção do smartphone enquanto tecnologia ativa dentro dos lares, considerou-se que diferente dos outros cenários a classe social já não interfere na usabilidade ou nas suas práticas. Percebeu-se que esse dispositivo modifica a comunicação e as relações que são estabelecidas interna e externamente, ressaltando que o principal ponto positivo visto por todos os entrevistados abrange a utilização do smartphone para facilitar o contato à distância com outros. Todavia, mães e filhos concordam que essa tecnologia atrapalha a concentração, interfere no tempo de descanso e afastam as pessoas que estão fisicamente presentes nas suas vidas.

Portanto, valendo-se da imersão no domínio de quatro famílias, essa investigação trouxe a possibilidade de observação dos fenômenos advindos da incorporação tecnológica, em particular do smartphone, de como se deu a sua integração enquanto novo elemento, e a nova forma de “domiciliar-se” que, como sugere Carvalho et al. (2015), promove novas conjunturas e comportamentos, reconfigurando o sistema familiar a partir do uso dessas tecnologias no dia a dia. Tornando possível enxergar pela ótica de duas famílias de periferia e duas famílias de classe média alta, as alterações e reconfigurações no que diz respeito ao comportamento e formatação desses lares.

Contudo, é importante aqui sinalizar o desafio sentido em caracterizar as famílias de classes desfavorecidas, que tendem a ser ignoradas e que, nesse caso, apresentaram a inibição como fator presente durante as suas entrevistas.

No decorrer desse trabalho também identificamos questões que poderiam ser mais bem trabalhadas em estudos futuros, partindo da ideia de que a relação doméstica e familiar proporciona um vasto campo de observação e investigação. Enxergar os componentes de uma família, não só dentro do seu contexto familiar, mas também em separado, nos traria uma boa relação e comparação quando nos referimos a inserção do smarpthone, confrontando formas de agir no ambiente doméstico e em seu mundo individual, tendo em vista a importância em estudar a inserção dessas tecnologias e como os comportamentos se modificam a partir delas. Como também pensar em uma pesquisa com maior extensão, abrangendo uma maior quantidade e tipologias de famílias, o que nos possibilitaria uma análise mais profunda e detalhada. Sendo assim, esta é uma caminhada de investigação infinita, dado o ritmo acelerado dessas inovações, e como variam as formas de ser social.

Material suplementar
Referências
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Notas
Autor notes
Mariana Pinto Gois é Publicitária habilitada pelo curso de Comunicação Social da UNP (2008); com BootCamp em Planejamento de Mídia pela Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM - SP (2011);é também Especialista em Marketing pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN (2019), Mestra em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas FCSH (2020) e doutoranda pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE).
Tabela 1
Quadro de características dos níveis socioeconômicos

Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa – 2018
Tabela 2
Quadro de Apresentação das Estruturas das Famílias

Tabela 3
Análise da Configuração do Grupo de Mães

Tabela 4
Análise da Configuração do Grupo dos Filhos/as

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