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Storytelling Como Ferramenta de Discurso no Twitter: Uma Análise da Campanha Presidencial de Jair Bolsonaro em 2018
Matheus Ribeiro Pereira
Matheus Ribeiro Pereira
Storytelling Como Ferramenta de Discurso no Twitter: Uma Análise da Campanha Presidencial de Jair Bolsonaro em 2018
Storytelling As a Discourse Tool in Twitter: An Analysis of a Bolsonaro's Presidential Campaign in 2018
Storytelling Como Herramienta de Discurso en Twitter: Un Análisis de la Campaña Presidencial de Jair Bolsonaro en 2018
Revista Comunicando, vol. 11, núm. 2, e022011, 2022
Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação
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Resumo: Considerando os avanços das plataformas de redes sociais nas últimas eleições no Brasil, procurou-se investigar o storytelling como ferramenta de estreitamento do envolvimento entre candidato e potenciais eleitores no universo digital. O interesse deste estudo foi, de forma específica, analisar os discursos dos tweets de Jair Bolsonaro, entre 11 de setembro e 27 de outubro do ano eleitoral e identificar os mitos e a estratégia de comunicação empregados pelo candidato. Foi possível concluir que Bolsonaro utilizou, pelo menos, nove estratégias, tendo como base a ferramenta storytelling: o herói a ser combatido; formulação dos inimigos; coerência no desenvolvimento de sua história; a narrativa às avessas; único herói possível; a metáfora do capitão contra a violência; discurso transmidiático; estímulos sofisticados e a simbologia do verde e amarelo.

Palavras-chave: Storytelling,Jair Bolsonaro,Twitter.

Abstract: Considering the advances of social media platforms in the last elections in Brazil, this research analyzed storytelling as a tool of approximation of the relations between a political candidate and his potential voters in the digital context. The interest was, specifically, to observe the speeches in the tweets of Jair Bolsonaro, between September 11 and October 27 of the 2018 — electoral period — to identify the myths and communication strategies used by the candidate. This way, it was possible to conclude that Bolsonaro developed, at least, nine strategies considering storytelling: the hero to be combated; the formulation of enemies; the coherence in the development of his story; the stories backward; the only possible hero; the captain’s metaphor against violence; the transmedia discourse; the sophisticated stimuli and the symbolism of green and yellow.

Keywords: Storytelling, Jair Bolsonaro, Twitter.

Resumen: Teniendo en cuenta los avances de las plataformas de redes sociales en las últimas elecciones presidenciales brasileñas, esta investigación analizó el storytelling como una herramienta de aproximación de las relaciones entre un candidato político y sus potenciales electores en el contexto digital. El interés fue, específicamente, observar los discursos en los tweets de Jair Bolsonaro, entre el 11 de septiembre y el 27 de octubre del año electoral de 2018, para así identificar los mitos y las estrategias de comunicación utilizadas por el candidato. Fue posible concluir que Bolsonaro desarrolló al menos nueve estrategias teniendo en cuenta el storytelling: el héroe a ser combatido; la formulación de los enemigos; la coherencia en el desarrollo de su historia; las narraciones al revés; el único héroe posible; la metáfora del capitán contra la violencia; el discurso transmidiático; los estímulos sofisticados y la simbología del verde y amarillo.

Palabras clave: Storytelling, Jair Bolsonaro, Twitter.

Carátula del artículo

Comunicação e Cultura Digital

Storytelling Como Ferramenta de Discurso no Twitter: Uma Análise da Campanha Presidencial de Jair Bolsonaro em 2018

Storytelling As a Discourse Tool in Twitter: An Analysis of a Bolsonaro's Presidential Campaign in 2018

Storytelling Como Herramienta de Discurso en Twitter: Un Análisis de la Campaña Presidencial de Jair Bolsonaro en 2018

Matheus Ribeiro Pereira
Universidade Federal Fluminense, Brasil
Revista Comunicando
Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, Portugal
ISSN: 2184-0636
ISSN-e: 2182-4037
Periodicidade: Semestral
vol. 11, núm. 2, e022011, 2022

Recepção: 12 Maio 2022

Aprovação: 27 Junho 2022

Publicado: 07 Julho 2022


1. Introdução

O desenvolvimento tecnológico nos setores de comunicação e informação tem gerado diversas mudanças econômicas, sociais e políticas, trazendo um novo cenário para humanidade, transformando a forma como se vive, trabalha e se relaciona (Schwab, 2016). Todavia, em função das dinâmicas recentes das disputas político-partidárias nas redes, percebe-se as plataformas de redes sociais se destacando mais por outros fatores, como a ampliação das bolhas ideológicas e da desinformação e a proliferação dos bots[1] e trolls[2] (Mello, 2020).

No que diz respeito especificamente ao âmbito político, com o passar dos anos as transformações tecnológicas vêm modificando drasticamente a conexão entre eleitor e candidato. Entretanto, as plataformas de redes sociais só vieram a ganhar um espaço significativo no Brasil a partir das “Jornadas de Junho de 2013” (Nunes, 2019). As mídias sociais apareceram neste contexto como o principal meio de diálogo e articulação entre grupos e movimentos políticos, seja na definição de pautas ou no agendamento de protestos nas ruas (Machado & MiskolcI, 2019). A continuidade destas manifestações, somada à polarização política crescente a partir da eleição presidencial de 2014, às investigações da Operação Lava Jato e ao aumento do conservadorismo no país, abriu caminho para o surgimento de novos partidos e candidatos pertencentes à denominada “nova direita”[3] brasileira (Codato et al., 2018).

Em paralelo, como consequência deste movimento mundial à direita, se desenvolve e constrói, em 2016, a campanha à presidência de Donald Trump nos Estados Unidos, uma campanha que se tornou referência para o futuro candidato à presidência do Brasil, Jair Bolsonaro, em 2018 (Fernandes, 2018), principalmente pela sua forma de personalizar seus discursos, através das mídias sociais, para alcançar ao máximo as expectativas de seus seguidores. Além disso, a campanha executada por Trump se destacou também por seu posicionamento anti-establishment[4] (Vinha, 2018) — que por muitas vezes passava dos limites e ia ao encontro de um formato contrário a princípios democráticos (Bassets, 2016) — e por estimular/utilizar a desinformação como uma forma de estratégia política, se apropriando, em muitos momentos, dos mecanismos fornecidos pelo universo online (Fernandes, 2018).

A construção de narrativas e o uso de estratégias de desinformação como instrumentos eleitoreiros foram assumidos por muitos candidatos aqui no Brasil. A pesquisa, ora apresentada, se propõe a realizar um estudo de caso da campanha do candidato Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais brasileiras de 2018. Desta maneira, optou-se por compreender a narrativa deste candidato por meio da análise de discursos publicados na plataforma Twitter. Buscou-se narrativas implícitas ao seu discurso que moldou os seus seguidores e facilitou, inclusive, a entrada da desinformação. De acordo com especialistas foi comprovado, no contexto brasileiro, que “quem mais confia em boato falso são os que já têm time definido no jogo político”, ou seja, “o desejo de eleitores de concluir aquilo que é sugerido por suas filiações partidárias reduz a eficácia da checagem de informações” (Correa, 2020). Ademais, entendendo a relevância do Twitter para Bolsonaro, constatou-se que não se é possível depreender, de forma clara, como a plataforma foi gerida pelo candidato e sua equipe para atingir resultados positivos no período eleitoral, o que, desta forma, fundamenta a pergunta que guia esta pesquisa: como Jair Bolsonaro utilizou a plataforma Twitter, durante a campanha presidencial de 2018, para se aproximar de seu eleitorado?

A partir do questionamento central do estudo, buscou-se refletir sobre as possibilidades de evidenciação do discurso no âmbito político, e compreendeu-se que este movimento não pode ser analisado de forma descolada dos fenômenos e práticas ocorridas no âmbito das marcas, pois há uma relação entre os campos. Assim, mobiliza-se o storytelling como uma ferramenta de construção de histórias do branding e do marketing, uma vez que já foi utilizado por diversas marcas, a partir do boom da internet, como uma das possibilidades de se destacar na era da economia da atenção (Nuñez, 2009). A grande quantidade de informação que é disponibilizada em plataformas como Twitter ou Facebook, assim como a agilidade de atualização das linhas do tempo destes meios, gera uma competição pela atenção dos consumidores (Davenport & Beck, 2001), dificultando a concentração e proporcionando uma ansiedade informacional (Wurman, 2003). Nesse sentido, os conteúdos que apelam para a emoção tendem a se destacar diante de inúmeras informações, pois, de acordo com Fuller (2010), dentro da mente humana, o aumento na competição por atenção chama à ação este mecanismo ancestral “que corta e foca os recursos esparsos de processamento de informações do cérebro” (p.125). Ou seja, tornou-se ainda mais imprescindível nos tempos atuais utilizar o discurso da forma mais adequada e relevante para mobilizar sentidos e emoções, provocando, desta maneira, a “capacidade de retenção”, na qual o conteúdo será compreendido, amado e, por fim, memorizado (Xavier, 2015, p. 20).

Para além do que já fora elaborado em pesquisas anteriores, como as de Hermida-Russo e Vargas-Monarde (2012) e Cárdenas Ruiz (2013), a proposta desta investigação é analisar os efeitos atuais do storytelling na política, considerando as mídias sociais que usam textos como forma de linguagem e objetivando criar categorias não para os tipos textuais, mas para os aspectos presentes nas narrativas elaboradas por um candidato. Estudos anteriores foram imprescindíveis para inserir esta teoria na agenda política, entretanto, esta pesquisa vai além, e busca que seus resultados sejam utilizados para análises futuras que tenham como objeto líderes políticos que elaboraram suas estratégias narrativas e conquistaram seus eleitorados nas mídias digitais. Desta forma, o resultado pretendido é desenvolver uma categorização do storytelling em narrativas políticas, processo este escasso na academia, uma vez que os enfoques tradicionais são no aprofundamento do estudo do storytelling em si, e não em sua aplicação.

[5]

2. Branding Político na Era da Economia da Atenção

Nos últimos anos, em razão da diversidade de aplicações dos conceitos relacionados à marca fora da área comercial, começou a se perceber um crescente interesse dos pesquisadores de marketing político em torno de suas características e processos interativos (Scammell, 2007). De acordo com Adolphsen (2009), as campanhas políticas nos processos eleitorais das últimas décadas tiveram uma estrutura ainda mais parecida aos meios comerciais, com candidatos se utilizando de estratégias e ferramentas de promoção de marca junto ao seu eleitor.

Segundo Xavier (2015), as novas práticas em torno das narrativas da marca, com a finalidade de causar mais estímulo aos consumidores, têm relação direta com o desenvolvimento do mundo digital que possibilitou novas conexões e construções de espaços de poder, pois é possível que um número maior de pessoas observe as narrativas empregadas tanto pelas marcas quanto pelos consumidores. Adolphsen (2009) observou esta prática no campo político. Nas análises do autor, é possível constatar que existem algumas campanhas que promoveram candidatos através de estruturas comerciais e efetivações pontuais de branding – como a campanha presidencial de Obama (2008) – e que a marca parece estar se consolidando como uma diretriz para a comunicação e política, modificando os processos organizacionais.

Manuel Adolphsen (2009) deixa claro que existem três características do branding conceitual que podem ser destacadas ao se pensar o universo político:

(a) Narrativas emocionais: o autor afirma que a distinção entre produtos não se dá apenas pelas diferenciações de uso ou pelo preço, se fosse assim a disputa de mercado seria mais simples. Somente a partir da construção das marcas, sugerindo percepções de emoção, os produtos se distinguem, sendo que as pessoas precisam receber estímulos sofisticados para se sentirem envolvidas. Através desses apelos e de narrativas elaboradas para integrarem as ambições e desejos de cada indivíduo, a aproximação com o produto se torna possível.

(b) Orientação multicanal: neste tópico, Adolphsen (2009) explica que para uma marca ser coerente ela deve elucidar seus atributos de forma idêntica por todos os canais de comunicação em que estiver presente, pois assim conseguirá alcançar o maior número de pessoas através das emoções. Deixando-se claro que em um espaço midiático fragmentado, a promoção disciplinada tende a alcançar maior eficácia.

(c) Construção de confiança: a marca deve estar focada em manter ou ganhar a confiança dos seus seguidores. Isso se dá através de uma imagem coerente e de promessas que estimulem as expetativas dos consumidores, além de consistência em sua narrativa.

É através destes quesitos que se tornam nítidas, para esta pesquisa, as necessidades de um estudo voltado para uma das principais ferramentas do branding: o storytelling. Torna-se, assim, imprescindível uma mudança na lógica da comunicação: deixa-se de lado o conceito mensagem e o substitui por história, e abandona-se os conceitos emissor e receptor e começa a utilizar os termos “criador da história” e “usuário da história” (Nuñez, 2009).

3. Storytelling: O Poder de uma Narrativa Bem Construída

Adilson Xavier (2015), esclarece, de forma pragmática, que storytelling é uma “tecnarte de elaborar e encadear cenas, dando-lhes um sentindo envolvente que capte a atenção das pessoas e enseje a assimilação de uma ideia central” (p. 11). Nuñez (2009), por sua vez, já apontava que são as histórias que abrem os caminhos em meio à grande quantidade de informação. Ou seja, a carga emocional envolta nas histórias prende a atenção dos indivíduos com eficiência e faz com que eles compreendam o sentido das mensagens de forma mais rápida. Simmons (2007) contribui com a definição levando em consideração, também, que não é somente a mensagem emocional que importa, mas a forma como o fato é contado, esclarecendo que histórias são experiências reimaginadas e narradas com sentimentos, no intuito que seus ouvintes as sintam como se fossem verdade. Signorelli (2012) completa dizendo que nesse contexto narrativo é fundamental que a marca permaneça autêntica, encontrando formas de ser original dentro da sua própria história.

Além disso, Xavier (2015) ressalta, também, que na atualidade surgem as possibilidades do universo transmídia, permitindo que as narrativas de uma marca ou candidato naveguem por múltiplas plataformas. E sublinha que sob esta perspectiva torna-se importante ampliar a discussão sobre o que é realidade ou ficção, relembrando que sempre que uma pessoa se expressa, inevitavelmente, está levando em consideração um ponto de vista particular, que está sujeito a variações de acordo com sua cultura, convicções, preconceitos, entre outros fatores. Com a união do uso das ferramentas do storytelling ao universo transmídia, as marcas encontram um caminho para tentar resolver os seus problemas relacionados à escassez de atenção, pois através da contação de histórias torna-se possível coletar a atenção dos usuários, e das estratégias do universo transmídia consegue-se mantê-las. Apesar do enfoque deste estudo ser relacionado exclusivamente a discursos no Twitter, vale destacar que a estratégia transmidiática foi parte central da campanha de Jair Messias Bolsonaro.

Uma outra consideração pertinente a este estudo, diz respeito a afirmação de Castro (2013), que define que o ritmo e a linha do tempo são elementos fundamentais para se transitar por etapas e criar uma narrativa que capte a atenção das pessoas. Outros fatores importantes são a definição do tema, tempo, lugar, personagens, as causas relacionadas à história e os impactos que podem vir a ocorrer através e a partir dela. Já Mcsill (2013) enfatiza alguns fatores primordiais para que a narrativa tenha impacto: elaborar um personagem com o qual os espectadores sintam alguma simpatia e admiração por seus esforços — que terá como desígnios a superação de desafios, transformando o personagem em uma pessoa que passou por um processo de evolução, tornando-se melhor ao final. O autor ainda complementa explicando que são os obstáculos que dão o tom à narrativa e a força que o personagem necessita, podendo ser físicos, emocionais ou conflitos pessoais, e que é essencial que uma narrativa possua um objetivo bem definido, elencando onde o personagem central da história quer chegar, e um elemento de conflito, que pode ser retratado através de um outro personagem ou um acontecimento que impeça/estimule o personagem protagonista a chegar aonde almeja.

Nuñez (2009) explica, ainda, que para conseguir transformar uma história em uma estratégia de comunicação mais eficaz deve-se contar com a ajuda de quatro recursos: os mitos, ritos, arquétipos e metáforas. O primeiro recurso, os mitos, são aqueles que caracterizam as histórias significativas que têm dado sentido à existência das pessoas desde o início dos tempos.

Um mito tem uma função social. Nasce para ser difundido e acreditado. Por isso, explica sinteticamente um modelo de conduta e se encarna e ganha vida em objetos e imagens que podem ser tocados pelos mais incrédulos. O mito se materializa na barba de Tiradentes, na boina do famoso pôster de Chê, na máscara e na capa negra de O Zorro; como diria um publicitário, os mitos sempre trazem consigo suas “justificações da promessa”, “evidências” ou “razões para acreditar”. (Nuñez, 2009, p. 28)

O segundo recurso, os ritos, são fundamentais para as narrativas, pois, “são cerimoniais que encenam o mito” (Nuñez, 2009, p. 28), fazendo com que as pessoas se envolvam em sua representação. Ao fazer parte de um rito o indivíduo deixa claro que o personagem mítico está presente em sua vida. Os arquétipos aparecem como o terceiro recurso e, segundo Jung (como citado em Nuñez, 2009), são formas que estão vivas “no inconsciente coletivo das sociedades” (p. 29). De acordo com Adilson Xavier (2015), Jung afirmava que os arquétipos se formaram e se potencializaram pela replicação de experiências ao longo dos tempos, produzindo nas pessoas uma repetição automática. E por fim, o quarto recurso é referente às metáforas pois, segundo Nuñez (2009), “nenhuma história de sucesso é criada no vazio, pois se apoia em conhecimentos simbólicos prévios, um recanto oculto de conceitos, vivências e recordações” (p. 30), ou seja, as metáforas são desenvolvidas a partir de uma estrutura conceitual já conhecida pelas pessoas, por isso possui efetividade em implementações.

4. The Darkside: A História das Eleições de 2018 Contada Através dos Tweets de Jair Bolsonaro

Nesta etapa será apresentado o estudo central desta pesquisa. Mediante a grande quantidade de tweets, optou-se por dividir a análise em semanas, para que fosse possível compreender de forma mais nítida a ideologia e intenção em torno de cada postagem realizada por Jair Messias Bolsonaro. Importante destacar, em razão da quantidade, se tornou inviável evidenciar todos os tweets durante a análise, devido a isto, serão apresentadas algumas postagens de forma a elucidar a argumentação proposta neste artigo.

De acordo com o que é enfatizado pelos autores do storytelling (Mcsill, 2013; Nuñez, 2009; Signorelli, 2012; Xavier, 2015), a carga emocional é fundamental no processo de criação de uma boa narrativa. Neste sentido, de modo a analisar o processo construído por Jair Bolsonaro no Twitter, é importante identificar e percorrer os traços mobilizados pelo então candidato na elaboração de uma história coerente e capaz de alcançar e envolver seu público-alvo. Assim, como Nuñez (2009), identifica-se mitos, ritos, arquétipos e metáforas ao percorrer a biografia do candidato e a sua preparação para as eleições de 2018.

A criação do papel de protagonista desenhada pela equipe de Bolsonaro, está por trás tanto da história pessoal do candidato, quanto de sua trajetória na política brasileira. O grande objetivo foi buscar uma estratégia convincente capaz de torná-lo conhecido para além de seu estado, Rio de Janeiro, demandando uma elaboração de identificação e representatividade sobre seu contexto de vida e suas capacidades de incidir politicamente em uma realidade nacional.

Apesar de ter conquistado a presidência em 2018, Bolsonaro não começou sua carreira profissional dentro de um cenário político. Em 1977, Jair Bolsonaro formou-se na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende (Rio de Janeiro, Brasil), que pertence ao Exército brasileiro. Somente de 1989 em diante passou a se dedicar a política, através de declarações e entrevistas que o colocassem em um posicionamento de maior visibilidade. Além disto, neste período mobilizou narrativas polêmicas como estratégia de destaque junto à opinião pública.

Através de argumentos pouco usuais para figuras públicas e uma personalidade extremista, o candidato cresceu de forma mais incisiva na carreira política. Mesmo com diversos processos em decorrência de falas extremistas, o político seguiu apresentando afirmações preconceituosas e misóginas, e se reelegeu em 2006 com 99.700 votos, em 2010 com 120.646 votos, e, novamente, em 2014, sendo na ocasião o deputado mais votado do Rio de Janeiro com 464 mil votos. Foi neste contexto que Bolsonaro buscou se enquadrar, elaborando narrativas contrárias à esquerda e que enaltecessem as pautas que o evidenciasse como um político da extrema direita conservadora, que traria de volta os “bons tempos da ditadura”.

Ademais de identificar a narrativa vista como eficaz por Bolsonaro, e suas raízes para além da política, é interessante determinar para quem estes discursos foram elaborados. Como amplamente debatido em pesquisa anterior (Pereira, 2021), o contexto brasileiro de 2018 favoreceu o crescimento da nova direita, que apresenta anseios por temas em torno de segurança pública, fortalecimento da família tradicional e uma antipatia a discursos progressistas.

Sublinha-se que há maior representação de Bolsonaro para determinados segmentos, sendo que foi reafirmado em todas as pesquisas a preferência dos eleitores de cor branca e os seguidores da religião evangélica pelo candidato. Como também ficou nítida a sua rejeição por algumas camadas da sociedade, como os cidadãos da região Nordeste. Além disto, também se considerou que os temas mais abordados nas pesquisas pelos eleitores engajados a escolherem Bolsonaro são: religião, segurança pública e “família”. (Pereira, 2021, p.14)

Considerando estas breves delimitações em torno de quem é Bolsonaro e com quem ele buscou dialogar, serão analisados os seus tweets durante o primeiro e segundo turno das eleições de 2018. Buscar-se-á ferramentas específicas do storytelling utilizadas pelo então candidato de maneira a personalizar seus discursos com seus seguidores. Desta forma, a partir da análise desses tweets serão criadas categorias presentes nas narrativas bolsonaristas. Nesta pesquisa, o movimento feito foi de analisar para enquadrar, ao invés de previamente estabelecer categorias, por isso, a opção em primeiro apresentar os posts de Bolsonaro nas semanas eleitorais e depois discorrer sobre as possíveis categorias do storytelling presentes no discurso do candidato. Os pontos a serem detalhados na Figura 1 são resultados da análise feita dos 473 tweets postados por Bolsonaro ao longo do período de campanha.

4.1. Semana um (11 a 17 de Setembro de 2018)

No início da análise foi possível observar algumas características do storytelling presentes na narrativa adotada por Bolsonaro em seus tweets. O candidato se apropriou da sua condição de saúde naquele momento — que era de um homem que estava se recuperando no hospital, após passar por uma cirurgia devido ao atentado que sofreu no dia 6 de setembro, durante ato em Juiz de Fora (Minas Gerais, Brasil) — e fez deste fato pauta de suas argumentações. Fosse através de agradecimentos pelas orações realizadas pelos seus seguidores ou de uma narrativa que pareceu o colocar como uma espécie de “herói” que sofreu uma agressão, mas que estava se recuperando para contra-atacar o seu principal inimigo: a esquerda.

Jair Bolsonaro seguiu uma estratégia discursiva assim como a destacada por Mcsill (2013), que, ao explicar os fatores primordiais para que uma narrativa tenha impacto, enfatiza a importância de elaborar um personagem com o qual os espectadores sintam alguma simpatia e admiração por seus esforços. O candidato ao adentrar em um momento crítico, não se silenciou, pelo contrário, fez deste episódio ponte para sua narrativa de vítima, na qual enfatizou por algumas vezes que necessitaria da torcida/apoio popular para conseguir superar a ocasião. De acordo com Isabel Fleck (2018), Bolsonaro cresceu cinco pontos em pesquisa espontânea após o atentado.

Um outro fator que ficou evidente em sua narrativa nesta primeira etapa, foi o ataque ao Partido dos Trabalhadores e aos seus representantes. Entretanto, deixa-se claro que as postagens não foram estruturadas através de ataques desordenados. O candidato construiu um contexto narrativo original, no qual formulou tweets de uma maneira que suas pautas foram sendo enraizadas de tal forma que começaram a ser repetidas por seus seguidores como se fossem assuntos consolidados. Bolsonaro seguiu, neste sentido, o mesmo que é proposto por Signorelli (2012) ao explicar que é fundamental que uma marca seja autêntica, para assim encontrar formas de se destacar dentro de uma história. Nestes tweets eram abordados textos relacionados as alegações de que o Partido dos Trabalhadores queria transformar o Brasil em uma Venezuela, trocar Ministérios por interesses próprios e controlar a internet e a mídia.

Vale ressaltar ainda, que nesta configuração foi possível observar uma outra forma que o candidato buscou utilizar-se da narrativa: através de um storytelling às avessas[7]. Ao definir o inimigo que iria ser combatido, o candidato optou por não somente se “vender” como melhor opção, mas também mostrar que seu adversário seria a pior escolha, realizando, assim, uma diferenciação entre o “nós” e os “outros”, o que auxiliou na ampliação da polarização política existente naquela época.

Nos últimos anos o Partido dos Trabalhadores (PT) doou bilhões para ditaduras amigas via BNDES. Seu dinheiro que deveria ser utilizado de forma responsável para nosso crescimento, serviu para alimentar governos autoritários e antidemocráticos como Cuba e Venezuela, sem nos dar retorno algum. Isso vai acabar! (Tweet Jair Bolsonaro, 15 de setembro de 2018)

Também ficou nítido nas postagens de Bolsonaro a sua predileção por abarcar assuntos relacionados a temática da segurança pública. Esta pauta foi utilizada pelo candidato de inúmeras formas, evidenciando-se principalmente tweets que destacassem o contexto emocional do período, afirmando que as pessoas de bem tinham que ficar presas em suas casas enquanto os bandidos andavam pelas ruas, além de utilizar estas postagens para atacar os governos anteriores, exclamando que foram eles que deixaram o Brasil chegar nesta situação. Enfatiza-se aqui uma outra característica do storytelling utilizada pelo candidato, pois, como destacado por Simmons (2007), não é somente a mensagem emocional que importa, mas a forma como o fato é contado. Bolsonaro parecia ter domínio sobre as temáticas que afligiam o seu nicho de eleitores, sendo que abordava assuntos condizentes com as expectativas do seu público através de um linguajar mais informal, o que fazia parecer que ele estava realmente compartilhando dos problemas da sociedade e não só comentando o que deveria ser resolvido. De acordo com entrevista realizada com grupo de possíveis eleitores de Bolsonaro da época, uma das citações que se destacaram referente ao candidato foi uma que dizia que “tudo o que ele fala é tudo o que ele é. É por isso que ele tem muitas perseguições, porque ele é uma pessoa real, ele é transparente. Ele fala o que a gente precisa ouvir e nem sempre o que a gente precisa ouvir é o que a gente quer ouvir” (Solé, 2018).

A segurança é nossa prioridade! É urgente! As pessoas precisam de emprego, querem educação, mas de nada adianta se continuarem sendo vítimas de latrocínio a caminho de seus trabalhos; de nada adianta se o tráfico de drogas permanecer na porta das escolas. (Tweet Jair Bolsonaro, 11 de setembro de 2018)

Bolsonaro parecia, mesmo sem muita insistência, tentar se afastar de determinadas narrativas negativas ao seu respeito, afinal um protagonista está sempre buscando se conhecer melhor e evoluir, assim como explica Campbell (1949), ao destacar o momento em que o Monomito se encontra na etapa “o ventre da baleia[8]”. Porém, ao contrário do herói destacado por Campbell (1949), Bolsonaro não saiu deste ventre completamente transformado, pois seguiu, ao longo da análise, destacando frases ultraconservadoras, que em alguns casos iam ao encontro de pensamentos preconceituosos ou misóginos. Todavia, ainda assim, o candidato seguiu postando, em momentos isolados, a sua narrativa de um “herói” que aparentava seguir em processo de evolução:

Cotado para ser presidente da Comissão de Direitos Humanos em 2014, deixei claro: se escolhido, seria ‘daltônico’, todos teriam a mesma cor! Devemos lutar para que sejamos iguais perante a lei. Com um governo comprometido com o Brasil, não com partidos, todo terão oportunidade! (Tweet Jair Bolsonaro, 12 de setembro de 2018)

Vale destacar ainda nos discursos evidenciados por Bolsonaro nesta semana, a utilização do universo transmídia – o candidato efetuava de maneira conjunta as suas postagens em suas mídias digitais, sendo que, por exemplo, suas lives no Facebook/Youtube estavam alinhadas os seus tweets – e das manifestações populares favoráveis à sua eleição. Jair Bolsonaro postou, por diversos momentos, vídeos, fotos ou textos de/com pessoas, tanto famosas quanto anônimas, demonstrando algum tipo de apoio a sua eleição. Isto demonstrou que o candidato possuía um branding político bem consolidado, pois, assim como descrito por Adolphsen (2009), estava com foco em manter a confiança dos seus seguidores, pois ao dialogar com seu público de forma personalizada, o candidato estava estimulando os seus potenciais eleitores a seguirem o apoiando de forma pública.

Agradeço aos movimentos espontâneos espalhados por todo o Brasil neste final de semana por minha recuperação. Tenham certeza que isso nos dá forças para cumprir nossa missão! Vamos mudar o Brasil! Muito obrigado a todos! (Tweet Jair Bolsonaro, 17 de setembro de 2018)

4.2. Semana dois (18 a 24 de Setembro de 2018)

Na busca por deslegitimar os veículos informacionais, Bolsonaro começou a exclamar que certa parte da mídia estava publicando Fake News. Um episódio em que pode ser observado esta estratégia sendo colocada em prática ocorreu no dia 18 de setembro de 2018, quando a revista Veja publicou uma matéria na qual dizia que um assessor de Bolsonaro havia sido punido pela Universidade em que estudava por ter proferido frases racistas (Molica, 2018). Diante desta notícia, o candidato respondeu que a matéria se tratava de “mais um fake news descarado! O cidadão apontado na veja online de hoje, nunca esteve lotado em meu gabinete!”.

Independentemente de estar certo ou errado ao contestar algumas informações que saíam nos veículos de comunicação ao seu respeito, Bolsonaro aparentava ter mais interesse em ser agressivo com a mídia do que em esclarecer as notícias nas quais se sentia injustiçado. O candidato começou a lidar com a imprensa como se ela fosse uma espécie de novo inimigo.

Ignorem essas notícias mal intencionadas dizendo que pretendemos criar a CPMF. Não procede. Querem criar pânico pois estão em pânico com nossa chance de vitória. Ninguém aguenta mais impostos, temos consciência disso. Boa noite a todos! (Tweet Jair Bolsonaro, 20 de setembro de 2018)

Para que uma história conquiste um público ela deve ser coerente com o que se propõe a fazer. Diante disto, Bolsonaro começou a fomentar em seus espaços apenas informações pertinentes a sua campanha, sendo elas verdadeiras ou não. Ao mesmo tempo que estava sendo desleal, por estar auxiliando na formatação de bolhas ideológicas ao permitir em seu grupo apenas as suas visões de mundo, estava também sendo coerente com o que buscava apresentar aos seus apoiadores, mantendo foco somente na sua proposta de enredo. A partir destas postagens que proliferavam desinformação, foi possível compreender, também, que existia uma certa tendência do candidato à presidência de utilizar ao seu favor o hábito da população de não apurar a veracidade das informações recebidas e compartilhadas nas mídias sociais (Melo & Fernandes, 2019). Ou seja, ao reduzir a força por trás das matérias destacadas por veículos informacionais, Bolsonaro conseguia controlar as informações ao dialogar com seus seguidores e ficava a cargo dele definir o que era verossímil ou não.

Bolsonaro também continuou se colocando no papel de vítima e acentuando a má fé dos seus concorrentes com a sua campanha. Ao reproduzir por tantas vezes os problemas que o Brasil enfrentava por causa dos regimes passados e que em seu governo isto seria diferente, sendo um possível “salvador da pátria”, Bolsonaro buscou ir se apropriando de um espaço e ir entrando, aos poucos, no inconsciente coletivo de um nicho da sociedade.

Enquanto adversários dedicam seus milhões em campanha a ataques covardes contra nós, o Brasil sofre com 60 mil homicídios por ano, 14 milhões de desempregados, 50 mil estupros. Essa é a diferença. A preocupação deles é com o poder a qualquer custo. A nossa é com o futuro do país! (Tweet de Jair Bolsonaro, 21 de setembro de 2018)

O candidato estava buscando relacionar a sua eleição a uma promessa, que assim como uma marca, leva em consideração experiências do passado e expectativas do futuro (Kotler & Pfoertsch, 2008), para conseguir moldar um discurso que possa ser “sentido”.

Uma má notícia a quem só restou torcer contra minha saúde e recuperação: Nunca me senti tão feliz e bem! Estamos voltando para, juntos, fazermos do Brasil uma grande nação! (Tweet de Jair Bolsonaro, 21 de setembro de 2018)

4.3. Semana três (25 de Setembro a 1 de Outubro de 2018)

Na terceira semana, ficaram mais evidentes algumas dinâmicas propostas e repetidas no Twitter de Bolsonaro. Um exemplo, pode ser destacado ao observar que o candidato postava, quase sempre pela manhã, alguns tweets em sequência que, na maioria das vezes, tinham alguma relação entre si. Posteriormente, depois de um curto período, Bolsonaro voltava a postar estes mesmos tweets, só que eles não apareciam separadamente e em formato de texto como antes. Todos eram colocados em uma só imagem que, em conjunto, também destacava uma foto de Bolsonaro. Pode-se constatar que esta estratégia tinha o intuito de reforçar a narrativa do candidato a sua imagem, fosse ela para atacar algum adversário ou apresentar seu plano de governo e, assim, envolver seus seguidores, pois, como já citado, a forma que uma história é contada tem total relação com a experiência emocional que ela irá proporcionar (Simmons, 2007) e, além disso, ao utilizar-se de estratégia variadas o candidato estava buscando alcançar seus consumidores/eleitores através de estímulos sofisticados, o que segundo Adolphsen (2009) é fundamental para chegar na emoção.

Bolsonaro também utilizou dos tweets de ataque à esquerda para uma outra função: a de mudar o foco de determinados assuntos. Em situações em que o candidato se sentia acuado, fazia questão de lembrar histórias negativas do passado do Partido dos Trabalhadores, por exemplo. Como explicado por Nuñez (2009), “nenhuma história de sucesso é criada no vazio, pois se apoia em conhecimentos simbólicos prévios, um recanto oculto de conceitos, vivências e recordações” (p. 30), e Bolsonaro utilizou-se veemente disto, pois fez dos problemas enfrentados pelo Partido dos Trabalhadores no passado pautas para construção de diversas de suas postagens.

Esta semana também se destacou o fato de ter aparecido pela primeira vez postagens de Michele Bolsonaro, esposa do candidato, o apoiando através de um discurso de luta pelos deficientes auditivos e, assim, promover um maior envolvimento da campanha com este grupo. O candidato fez deste momento com a sua esposa, um espaço para se aproximar de um público em que não se destacava majoritariamente e conseguir ampliar as suas projeções de votos futuros. Além disso, estes discursos auxiliaram na história proposta por Bolsonaro a favor da “família tradicional”.

(26/09) #DiadoSurdo A Michelle é minha esposa, sempre se dedicou a aprender com os deficientes auditivos. Aqui ele se apresenta, os parabeniza pela data, diz que ainda estamos no hospital, agradece o carinho e orações e que continuará lutando pela comunidade surda. Bom dia. (Tweet de Jair Bolsonaro, 27 de setembro de 2018)

Bolsonaro possibilitou, também, espaço a Olavo de Carvalho. A relação entre Jair Bolsonaro e Olavo de Carvalho, ao visualizá-la através do olhar de Campbell na Jornada do Monomito (1949), pode ser descrita como uma espécie de “auxílio sobrenatural”, pois, de acordo com o autor, isto acontece quando uma pessoa mais experiente, normalmente mais velha, fornece ao protagonista de uma determinada história os aparatos para o proteger contra as forças opostas. Esta explicação de Campbell (1949) muito se assemelha a forma que Bolsonaro mencionou Olavo de Carvalho em seus tweets. Apesar de não ser evidenciado em muitas postagens, quando foi destacado pareceu ser no intuito de dar o endosso necessário para as falas de Bolsonaro, como se fosse uma pessoa mais “sábia” falando que a narrativa proposta pelo candidato realmente tratava-se de uma verdade necessária para uma possível evolução nacional. Isto pode ser observado em um tweet realizado por Bolsonaro no dia 29 de setembro, no qual o candidato afirmou em letras maiúsculas “A verdade que te omitem:” junto ao compartilhamento de uma postagem de Olavo de Carvalho realizada em seu próprio Twitter na qual destacava a seguinte informação “Ontem, o PT assinou mais um manifesto em favor da ditadura venezuelana. Hoje, prometeu tomar o poder no Brasil, enfatizando que isso é diferente de ganhar simplesmente uma eleição. Precisa ser mais claro?”. Nestes tweets, tanto Carvalho quanto Bolsonaro, tentaram passar para a esquerda a “fama” de ser a favor da ditadura, mesmo sendo Jair Bolsonaro que por inúmeras vezes declarou seu apoio a torturadores da ditadura que aconteceu no Brasil ou a negou (Campos, 2019).

Os venezuelanos morrem de fome devido à tirania de um governo que anda de mãos dada com a ditadura cubana. Via BNDES e outras fontes de seu dinheiro o Brasil é um dos maiores patrocinadores do socialismo que massacra milhões no mundo. Isso vai mudar! Conosco, o foco é o Brasil! (Tweet de Jair Bolsonaro, 30 de setembro de 2018)

No final desta semana também ocorreram outras duas postagens que merecem a devida atenção neste estudo. A primeira dizia respeito ao retorno de Bolsonaro a sua casa, depois de um longo período recebendo visitas e dialogando com seus seguidores apenas do hospital, desta forma estava sendo alterado o espaço da narrativa, pois mesmo estando obrigado a ficar em casa se recuperando, agora o candidato poderia realizar entrevistas, o que aumentaria as possibilidades de diálogo com o seu público. E a segunda foi referente ao seu primeiro comentário relacionando o kit gay a Fernando Haddad — levando-se em consideração o recorte temporal escolhido para esta pesquisa. De acordo com Jair Bolsonaro, o kit gay foi um material escolar elaborado em 2011 — época em que o Ministério da Educação estava sob o comando de Haddad — que auxiliava no incentivo ao “homossexualismo (sic) e a promiscuidade” e tornava os filhos “presas fáceis para pedófilos” (Belloni, 2017). Segundo o MEC o kit, que não possuía este nome dado por Bolsonaro, era composto por um material que tinha como “objetivo debater a sexualidade no ambiente escolar, como forma de reconhecer a diversidade sexual e alertar sobre o preconceito” (Belloni, 2017). De qualquer forma, Bolsonaro manteve o seu discurso contrário ao kit pelos motivos já evidenciados e em apoio e parceria com a Bancada Evangélica, propondo mais uma vez um storytelling às avessas, pois estava optando, novamente, seguir por meio de argumentos desintegradores, fazendo, inclusive, desta temática uma pauta para atacar os seus adversários políticos.

Este fiasco grande parte da mídia não mostra! Tentam te convencer de todo o jeito que o pai do kit-gay e pau mandado do corrupto preso tem crescido nas pesquisas. As mentiras só aumentarão até o fim! (Tweet de Jair Bolsonaro, 30 de setembro de 2018)

4.4. Semana quatro (2 a 8 de Outubro de 2018)

Na última semana do primeiro turno, o candidato se mostrou ainda mais interessado em deixar claro os erros passados dos seus opositores e o evidenciar como “herói”. Em uma destas citações, o candidato fez questão de destacar a bandeira verde e amarela como símbolo do seu projeto de governo e dos seus seguidores. De acordo com matéria realizada por Oliver Stuenkel (2019), existe uma tendência dos movimentos de extrema direita de tentarem se apropriar de símbolos nacionais, tanto no Brasil quanto no resto do mundo. Segundo o jornalista, isto faz parte de uma “estratégia sofisticada, pois permite uma suposta divisão da população entre patriotas de um lado e inimigos da pátria de outro”.

Vale ressaltar, também, a colocação de Nuñez (2009), que explica que um mito normalmente se encarna e ganha vida através de objetos ou imagens, tendo uma função quase que social. Isto ficou nítido nos tweets de Bolsonaro, pois ele, por algumas vezes, fez questão de se apropriar dos símbolos do movimento conhecido como “nova direita” e trazer o que isto representava de positivo para a sua campanha, colocando em seus textos diversas referências a estes símbolos, além de apresentar, de forma contínua, vídeos com manifestações ao seu favor com pessoas vestidas de verde e amarelo.

Momento de resgatar nosso orgulho de ser brasileiro; de estampar nossa bandeira verde e amarela em nossas casas; de resgatarmos nosso direito de ir e vir; Falta pouco para darmos o primeiro passo em direção à grandeza! Brasil acima de tudo, Deus acima de todos! (Tweet de Jair Bolsonaro, 3 de outubro de 2018)

Outra percepção que foi ficando mais clara em seus discursos e que também pode ser notada no tweet acima é a sua dedicação em mostrar sua relação com o cristianismo e, principalmente, com Deus. Postagens que também começaram a ganhar relevância em sua estratégia discursiva, foram as suas justificativas para não participar dos debates com seus opositores, alegando ser devido ao seu estado de saúde na época. Reforçando, assim, o seu papel de vítima, apelando para o emocional dos seus seguidores diante das críticas dos seus opositores que afirmavam que ele estava fugindo dos debates. Por fim, a semana do primeiro turno se encerrou com Bolsonaro ampliando ainda mais seu número de seguidores, tendo novas personalidades o apoiando publicamente e reafirmando suas pautas conservadoras.

Durante muito tempo, o brasileiro teve que escolher entre opções que não o representava. Agora é diferente! Amamos o Brasil, defendemos a família e a inocência das crianças, tratamos criminosos como tais e não nos envolvemos em esquemas de corrupção. Jair Bolsonaro 17. (Tweet de Jair Bolsonaro, 6 de outubro de 2018)

4.5. Semana cinco (9 a 15 de Outubro de 2018)

Com o passar das semanas, o candidato começou a fazer questão de intensificar o seu posicionamento anti-establishment. Na acentuação desta estratégia, ficou mais evidente o seu discurso em prol de desacreditar as ferramentas de pesquisa eleitoral, a mídia e os regimentos adotados e administrados por governos anteriores. Propondo severas mudanças econômicas e educacionais, Jair Bolsonaro apresentou em seus tweets uma narrativa que contemplava ideias nas quais apenas em seu governo o Brasil adotaria práticas legítimas. Ferindo, em alguns momentos, posicionamentos constitucionais, Bolsonaro “atacou” diretamente o sistema político brasileiro, empregado até aquele momento. Um exemplo foi sua postagem realizada no dia 11 de outubro, ao lado de Luciano Hang, na qual o título era “Instituto de pesquisa prepara terreno para possível fraude”, junto a um vídeo em que aparecem os dois rindo ao falar sobre as possíveis mentiras que existiam no sistema de pesquisa eleitoral. Retornando, assim, a ideia de controlar as informações presente em sua história para não perder a confiança dos seus seguidores.

Ademais, o candidato começou a se dedicar, também, a apresentar tweets com outros contextos: (a) mais focados em seu plano de governo, contrapondo com as propostas de Haddad, destacando o que iria fazer principalmente pela educação e economia do país; (b) evidenciando as diversas entrevistas que passou a conceder — de sua casa — a veículos de comunicação, principalmente a emissora Record TV; (c) narrativas de defesa as acusações que vinha sofrendo relacionadas a estar envolvido com movimentos que se diziam nazistas. De acordo com o candidato existia por parte de seus opositores uma má intenção de o ligarem a práticas nazistas, tentando o prejudicar.

Há também um movimento orquestrado forjando agressões para prejudicar nossa campanha nos ligando Nazismo, que, assim como o Comunismo, repudiamos completamente. Trata-se de mais uma das tantas mentiras que espalham ao meu respeito. Admiramos e respeitamos Israel e seu povo! (Tweet de Jair Bolsonaro, 11 de outubro de 2018)

O Partido dos Trabalhadores, naquele período, havia começado a adotar uma mudança estratégica para buscar a vitória no segundo turno. Fernando Haddad estava passando a ser desvinculado da imagem do ex-presidente Lula, mudando até a sua identidade visual para isto — saindo do vermelho e colocando em sua campanha as cores de bandeira brasileira, o verde e o amarelo (Vinhal & Cavalcanti, 2018). Provavelmente por ter percebido esta dinâmica, os tweets de Bolsonaro passaram a enfatizar de maneira assídua a relação que existia entre Lula e Haddad, destacando símbolos já historicamente reconhecidos do Partido dos Trabalhadores, não permitindo, desta forma, que seu adversário mudasse o contexto de sua história. Por algumas vezes as postagens ficaram tão agressivas que o candidato chamou Haddad de “marmita de corrupto”, como pode ser visto no exemplo abaixo:

Após mentir descaradamente que votei contra os deficientes, o marmita de corrupto preso também apagou as acusações como se nada tivesse acontecido. A mentira nunca vencerá a verdade! ‘E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’ João 8:32. (Tweet de Jair Bolsonaro, 14 de outubro de 2018)

4.6. Semana seis (16 a 22 de Outubro de 2018)

Um fator de destaque no estudo da sexta semana, foi o desempenho de Bolsonaro como um protagonista carismático da história que buscou contar. Em todos os contextos propostos, o discurso de Bolsonaro não perdeu a intensão de dialogar fielmente com parte da bolha que o seguia. E isto não ocorreu somente por seu posicionamento confiante em seus tweets ou por ter apresentado, por diversas vezes, imagens alinhadas a personalidades artísticas ou manifestações populares que o apoiaram, mas deve-se ao fato de que ele conseguiu despertar características de liderança, as quais reviveu em seus discursos uma espécie de esperança em parte da população, efervescendo por meio de uma dominação estratégica, algo que seus seguidores pareceram compreender como um novo esqueleto estrutural para a política brasileira.

Ninguém entende melhor os problemas de uma região do que seu próprio povo, por isso vamos descentralizar os recursos e dar mais autonomia financeira aos estados e municípios. Além da melhor aplicabilidade, a medida facilita a fiscalização e o combate à corrupção de perto. (Tweet de Jair Bolsonaro, 17 de outubro de 2018)

Em um país onde os problemas sociais, como violência, cresciam, Bolsonaro também encontrou um solo fértil para tratar de forma extremista questões essenciais para uma grande quantidade de brasileiros e assim cativar ainda mais o público que o seguia. Se “vendendo” como um personagem que se esforçava para superar os desafios que apareciam, em busca de conquistar a admiração de seus apoiadores. Assim como explicado por Mcsill (2013), são os obstáculos vencidos que dão tom a narrativa. Um exemplo disto, pode ser retratado através de suas postagens que falavam sobre o aumento de número de presos ou combate à violência, desconsiderando os direitos humanos e as convenções internacionais das quais o Brasil é Estado-parte (elucidando novamente sua característica anti-establishment), apenas propondo soluções através da “força bruta”, em busca de ser favorável aos ideais da nova direita.

Não esqueçam! Desde o início somos contra o controle da mídia e da internet. Desde o início defendemos a inocência das crianças nas escolas. Desde o início somos contra o aborto. Desde o início defendemos a prisão de bandidos e não o desencarceramento. Recusem imitações! (Tweet de Jair Bolsonaro, 17 de outubro de 2018)

4.7. Semana sete (23 a 27 de Outubro de 2018)

Na reta final da campanha, sendo a última oportunidade de o candidato evidenciar as suas argumentações, a quantidade de críticas aos seus adversários estava massiva. Nos tweets de Bolsonaro foram evidenciadas sucessivas críticas a Fernando Haddad, o acusando de espalhar Fake News e de ser responsável por ações ilícitas na época em que disputou a campanha para prefeito da cidade de São Paulo, em 2012. Além disto, Bolsonaro fazia troça, em seus tweets, da crise interna que existia dentro dos Partidos dos Trabalhadores, que foi ficando mais notória no final das campanhas presidenciais.

Assim como no fim do primeiro turno, Bolsonaro concluiu a sua campanha para o segundo turno da mesma forma: agradecendo os seus apoiadores, proferindo discursos de ódio aos seus opositores, utilizando-se da live para dialogar com seus seguidores até no último dia, declarando a sua relação com o cristianismo e a sua fé em Deus e demonstrando estar “vestido” de verde e amarelo, cores símbolo da sua campanha, até o minuto final. Estes dois últimos fatores podem ser vistos, inclusive, no seu último tweet realizado durante campanha, no dia 27 de outubro, no qual foi apresentado uma imagem de Bolsonaro vestindo uma camisa verde e amarela, que tinha como estampa a frase “meu partido é o Brasil”, acompanhado do texto “Até a vitória, se Deus quiser!”.

5. Considerações Preliminares

Na pesquisa elaborada para este artigo, é possível destacar as principais estratégias promovidas por Bolsonaro em seu Twitter em busca de personalizar seu discurso e se aproximar do seu eleitorado. Por meio do storytelling, foram identificadas 9 categorias classificatórias para os discursos implementados pelo então candidato à presidência do Brasil em seu Twitter. A definição conceitual de cada categoria é fruto da análise teórica e metodológica implementada ao longo da pesquisa da qual este artigo deriva.

Ao realizar uma profunda pesquisa nas temáticas de branding e marketing político no Brasil, pôde-se observar que não há precedentes analíticos de campanhas eleitorais neste campo de estudo. Desta maneira, a pesquisa proposta apresenta-se como precursora desta interpretação sobre as estratégias narrativas de candidatos brasileiros nas plataformas de redes sociais. Tendo em vista a aplicação dos conceitos básicos relativos as teorias supracitadas, foi possível elaborar uma categorização de discurso tendo como arcabouço o storytelling e que pode ser replicada em futuras análises de campanhas online. Seguem as categorias, suas respectivas definições e formas de aplicação no caso estudado:

(a) O herói a ser combatido: assim como descrito por Mcsill (2013), é essencial, para que uma narrativa tenha impacto, a elaboração de um personagem com o qual os espectadores sintam alguma simpatia e admiração por seus esforços. Exatamente como Bolsonaro fez em suas postagens. O candidato se apropriou do momento em que estava vivendo — atentado sofrido a facada durante manifestação em Juiz de Fora (Minas Gerais, Brasil) — e fez disto pauta para se colocar, em muitas dos seus tweets, como vítima, através de um discurso que culpava os seus inimigos pelo seu estado de saúde. Bolsonaro utilizou-se do momento para ampliar sua popularidade, alegando, inclusive, por algumas vezes, que não iria desistir de “salvar o Brasil” mesmo tendo que passar por situações como aquela para conseguir tal feito.

(b) Formulação dos inimigos: como já descrito por Campbell (1949) na Jornada do Monomito, a segunda fase da jornada de um herói ou, neste caso, anti-herói, é um momento de muitas provações e que são encontrados diversos desafios. Essa forma que Campbell (1949) retrata esta passagem de sua teoria se assemelha a forma que Bolsonaro lidou com seus opositores, pois ele não os viu apenas como concorrentes, mas sim como inimigos querendo o prejudicar. Nesta pesquisa foram identificados ao menos três inimigos: a esquerda, o Partido dos Trabalhadores e a imprensa.

(c) Coerência no desenvolvimento de sua história: Bolsonaro demonstrou estar o tempo todo relutante a informações contrárias as suas. Desta forma, o candidato criou uma narrativa na qual controlava em seu grupo o que era verossímil ou não. Impedindo, assim, a livre interpretação. Apesar de ser uma estratégia desleal, pois não permitia que as ideias fossem debatidas, mas, ao contrário disso, impunha ao seu nicho as suas próprias visões de mundo, afunilando ainda mais a sua bolha, o candidato conseguiu, desta forma, trazer uma coerência para sua história, pois, em um enredo que não muda, os espectadores vão estar sempre torcendo para o mesmo protagonista, além de nunca conseguirem ver as falhas em torno desta personalidade.

(d) A narrativa às avessas: o storytelling, usualmente, tende a chamar atenção de potenciais consumidores/eleitores por meio de fatores integradores, fazendo com que os indivíduos se interessem por um dado produto ou marca por vias propositivas, mas no caso de Bolsonaro, observou-se uma tendência de não utilizá-lo somente desta forma, o que foi chamado nesta pesquisa de storytelling às avessas. O candidato, ao definir o inimigo que iria ser combatido, optou, por algumas vezes, em apresentar suas propostas, mas, em outras ocasiões, escolheu não somente se “vender” como melhor opção, mas também mostrar, de forma agressiva, que seu adversário seria a pior escolha, realizando uma diferenciação entre o “nós” e os “outros”, o que auxiliou na polarização e aumento de informações falaciosas.

(e) Único herói possível: Assim como na campanha de Donald Trump (2016), nos Estados Unidos, Bolsonaro se apropriou de uma narrativa anti-establishment e antipluralista (Vinha, 2018), na qual ele destacou em suas postagens que somente ele era uma opção digna para o Brasil. Apresentando em seus tweets uma relação entre o aumento da corrupção e violência com regimes anteriores, principalmente os mais recentes administrados por Dilma e Lula. De acordo com seus discursos, somente ele seria uma escolha saudável para o Brasil, pois nunca esteve envolvido em escândalos nacionais como seus principais concorrentes.

(f) A metáfora do capitão contra a violência: em sua narrativa, Bolsonaro propôs diversos posts que o acentuaram como líder carismático diante de um quadro negativo na segurança nacional. Em detrimento disto, o candidato, aparentemente, podia falar o que fosse, que se caminhasse junto com as “necessidades” da “nova direita” iria ser amenizado. Sendo colocado, inclusive, por seu linguajar mais popular, como uma pessoa mais real e transparente (Solé, 2018). Até quando desconsiderou os direitos humanos e as convenções internacionais das quais o Brasil é Estado-parte, e dizia que iria resolver questões de segurança de forma desumana, o candidato foi idolatrado por seus seguidores, pois estava tentando resolver a questão da violência. Bolsonaro utilizou disto, inclusive, para atacar seus inimigos, afirmando que enquanto eles queriam tirar pessoas da cadeia, por exemplo, ele buscava ampliar o número de presos, procurando aumentar até a maioridade penal.

(g) Discurso transmidiático: mesmo esta pesquisa tendo como foco somente os tweets empregados por Bolsonaro em 2018, foi possível observar a relevância do universo transmídia para a acentuação do storytelling em suas postagens. Através, principalmente, das lives — que eram realizadas no Facebook e depois compartilhadas nas outras plataformas — o candidato, utilizando-se de uma narrativa personalizada e falando, aparentemente, o que lhe vinha a cabeça, conseguiu deixar o seu discurso mais envolvente (Xavier, 2015), tanto que estas lives se tornaram imprescindíveis em sua campanha. Além do fato de demonstrar que o candidato conseguia efetuar um discurso coeso, sendo que as narrativas de sua lives tinham continuidade nos seus posteriores tweets.

(h) Estímulos sofisticados: como explicado por Simmons (2007), a forma como uma história é contata tem total relação com a experiência emocional que ela irá proporcionar. Bolsonaro e sua equipe utilizaram disto com destreza, pois o candidato buscou diversas formas de chegar ao público. Fosse através de vídeos, textos, imagens, lives, além de uma repetição planejada, como, em alguns momentos, que postou a mesma narrativa só que de forma diferente, acentuando assim as suas conjecturas sem ser cansativo ou parecer pouco criativo ao público que o seguia. Assim como explicado por Adolphsen (2009), quando uma personalidade promove estratégias variadas está buscando alcançar seus consumidores/eleitores através de estímulos sofisticados, o que é primordial para chegar na emoção.

(i) A simbologia do verde e amarelo: Bolsonaro utilizou-se da simbologia presente nas histórias de duas formas. Através da segregação, pois em situações em que sentia acuado o candidato fez questão de lembrar dos símbolos do Partido dos Trabalhadores ou da esquerda de forma negativa, para que as vivências do passado voltassem à tona e, assim, seus admiradores relembrassem o ódio guardado a oposição. E por meio de vias propositivas, ao tentar se transformar em um mito. Assim como explicado por Nuñez (2009), um mito normalmente se encarna e ganha vida através de objetos ou imagens, tendo uma função quase que social. Bolsonaro buscou fazer isto através dos símbolos da “nova direita”, principalmente através das cores verde e amarelo e dos valores cristãos. O candidato buscou transformar estas cores e seu “amor à Deus” em evidências do seu “amor à pátria” e parte do seu “uniforme de herói”.

Na tabela 1 é possível observar as estratégias predominantes em cada semana. É importante sublinhar que em alguns casos é possível identificar mais de uma estratégia em um mesmo discurso, reforçando que as categorias não são mutuamente exclusivas. O próprio storytelling pressupõe o uso de mais de uma estratégia, uma vez que o fundamental é conduzir um fio narrativo que envolva na comunicação.

Tabela 1.
Categorias predominantes nos tweets de Bolsonaro na campanha de 2018 a partir do storytelling

Conclusões

Conclui-se aqui o que foi proposto neste estudo, sublinhando, desta forma, o papel preponderante do storytelling para o envolvimento emocional da nova direita a campanha de Jair Bolsonaro no Twitter, em 2018. Evidenciando, assim, como argumentado, a relevância desta ferramenta para as campanhas políticas digitais. Entende-se, também, que esta análise mostra que é possível aprofundar-se, ainda mais, no conhecimento e utilização do storytelling a partir de outras campanhas ou manifestações políticas, além de auxiliar em novas pesquisas sobre as inovações narrativas decorrentes das transformações no universo político e digital.

No mais, este tema ainda pode e deve ser analisado de modo a apresentar novas contribuições, para além da fornecida por esta pesquisa. Uma vez que o assunto, por ser recente, ainda se mostra incipiente, podendo ser abordado por pesquisadores tanto da área de economia criativa, bem como da comunicação social e da ciência política, por exemplo. Neste sentido, destacam-se análises que busquem compreender as novas dinâmicas das narrativas utilizadas nas plataformas de redes sociais em campanhas nas esferas estaduais e municipais, estudos comparativos que permitam identificar tendências de inovação na construção de narrativas e campanhas políticas, além de trabalhos que busquem compreender o storytelling como ferramenta em múltiplas agendas.

Material suplementar
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Notas
Notas
[1] Softwares desenvolvidos para rodar pela internet realizando tarefas repetidas e automatizadas.
[2] Usuários cuja intenção é provocar emocionalmente outros membros de uma plataforma através de mensagens controversas.
[3] Termo utilizado para denominar o despontamento político de um novo grupo relacionado à direita.
[4] Adjetivo utilizado quando um indivíduo ou grupo é contra as instituições oficiais, sejam elas políticas, econômicas ou sociais.
[5] Data da entrada oficial de Fernando Haddad na disputa presidencial – nesta pesquisa este momento é levado como principal evento na acentuação dos discursos de Bolsonaro nas plataformas de redes sociais.
[6] Data final estipulada pela Justiça Eleitoral para realização de propaganda, como comícios, carreatas, distribuição de material gráfico e propaganda na internet.
[7] Compreende-se que uma marca se utiliza de estratégias competitivas para se diferenciar dos seus principais concorrentes. Entretanto, neste caso em específico, estas foram empregadas de maneira não usual, uma vez que o objetivo não foi apenas a diferenciação do “produto” como melhor opção, mas uma desqualificação do concorrente por completo, como se ele fosse um inimigo a ser combatido, através da dualidade “bom x mau”. Além disso, os termos utilizados para essa diferenciação não foram pautados em uma evidenciação positiva de suas características em detrimento das do seu concorrente, mas sim concepções preconceituosas e agressivas sobre a realidade.
[8] De acordo com Campbell (1949), esta é a quinta etapa da Jornada do Monomito, e refere-se ao momento em que o “herói” se encontra em um lugar de escuridão, exilado do cotidiano, começando a se conhecer melhor e a compreender, de fato, o seu objetivo.
Autor notes
Matheus Ribeiro Pereira é Doutorando em comunicação pela Universidade Federal Fluminense, Mestre em gestão da economia criativa pela Escola Superior de Propaganda e Marketing, possui especialização em comunicação organizacional integrada pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e Bacharelado em comunicação social pela Universidade Cândido Mendes. Atua como Diretor de Arte na Prefeitura Municipal de Niterói e como pesquisador no Laboratório LEMBRAR (CNPQ) do Mestrado Profissional em Gestão da Economia Criativa (ESPM, Rio de Janeiro), no qual contribui para o projeto de pesquisa Memória, Representação e Construção de Sentido em Setores Criativos.
Tabela 1.
Categorias predominantes nos tweets de Bolsonaro na campanha de 2018 a partir do storytelling

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