Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


A Importância das Redes Sociais para os Outsiders Políticos — Entre Desintermediação e Hibridismo Mediático
The Importance of Social Media for Political Outsiders — Between Disintermediation and Media Hybridism
La Importancia de las Redes Sociales para los Outsiders Políticos — Entre la Desintermediación y el Hibridismo Mediático
Revista Comunicando, vol. 11, núm. 2, e022013, 2022
Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação

Varia

Revista Comunicando
Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, Portugal
ISSN: 2184-0636
ISSN-e: 2182-4037
Periodicidade: Semestral
vol. 11, núm. 2, e022013, 2022

Recepção: 31 Março 2022

Aprovação: 25 Julho 2022

Publicado: 01 Agosto 2022

Este trabalho encontra-se publicado com a Licença Internacional Creative Commons Atribuição 4.0. Os/as autores/as mantêm os direitos de autor, mas concedem à Revista Comunicando o direito de primeira publicação. Todos os trabalhos são licenciados com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.

Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição 4.0.

Resumo: A investigação subjacente a este artigo procurou apurar qual a importância das redes sociais para os três mais recentes partidos políticos a obter assento parlamentar pela primeira vez em Portugal, fenómeno que ocorreu após o desfecho das eleições legislativas de 2019 e a partir do qual o país observa uma cultura política marcada por uma maior fragmentação parlamentar. Pretendeu-se ainda apurar a eventual presença de princípios e práticas alinhadas com a teoria e prática das relações públicas na sua perspetiva sobre a comunicação digital. Para concretizar este empreendimento, foram conduzidas entrevistas semiestruturadas aos assessores de comunicação dos três partidos em causa — Chega, Iniciativa Liberal e Livre —, com os dados recolhidos submetidos a uma análise de conteúdo qualitativa. Para além disso, foram analisadas sob uma ótica quantitativa as publicações das páginas oficiais destes partidos na rede social Facebook no período da campanha eleitoral antecedente às eleições legislativas de 2019, entre 22 de setembro e 4 de outubro. As conclusões deste estudo mostram que os partidos políticos em causa encaram o digital como uma prioridade na comunicação com o eleitorado, tendo a dupla-função de servir como substituto da comunicação nos media tradicionais ou como ponte para a obtenção dessa mesma cobertura mediática.

Palavras-chave: Relações Públicas na Política, Relações Públicas Digitais, Comunicação.

Abstract: The research that supports this article sought to ascertain the importance of social media for the three newest political parties to obtain parliamentary seats for the first time in Portugal, a phenomenon that occurred as a result of the outcome of the 2019 legislative elections and after which the country observes a political culture marked by greater parliamentary fragmentation. It was also intended to ascertain the possible presence of principles and practices aligned with the theory and practice of public relations in these parties’ perspective on digital communication. To accomplish this undertaking, semi-structured interviews were conducted with the communication advisors of the three parties in question — Chega, Iniciativa Liberal and Livre —, with the data collected subjected to qualitative content analysis. In addition, the publications of the official pages of these parties on the social network Facebook during the period of the electoral campaign preceding the 2019 legislative elections, from September 22th to October 4th, were analyzed under a quantitative framework. The findings of this study show that the political parties in question see digital platforms as a priority in communicating with the electorate, with the dual function of serving as a substitute for traditional media communication or as a bridge to obtaining that same media coverage.

Keywords: Political Public Relations, Digital Public Relations, Political Communication, Social.

Resumen: La investigación en la que se basa este artículo buscó descubrir cuál es la importancia de las redes sociales para los tres últimos partidos políticos que obtuvieron escaños parlamentarios por primera vez en Portugal, un fenómeno que se produjo tras el resultado de las elecciones legislativas de 2019 y a partir del cual el país observa una cultura política marcada por una mayor fragmentación parlamentaria. Además, se pretendió averiguar la posible presencia de principios y prácticas alineados con la teoría y la práctica de las relaciones públicas en la perspectiva de estos partidos sobre la comunicación digital. Para llevar a cabo esta tarea, se realizaron entrevistas semiestructuradas a los asesores de comunicación de los tres partidos en cuestión — Chega, Iniciativa Liberal y Livre —, y los datos recogidos se sometieron a un análisis de contenido cualitativo. Además, se analizaron las publicaciones en las páginas oficiales de Facebook de estos partidos desde una perspectiva cuantitativa en el periodo de campaña electoral previo a las elecciones parlamentarias de 2019, entre el 22 de septiembre y el 4 de octubre. Las conclusiones de este estudio muestran que los partidos políticos en cuestión ven lo digital como una prioridad en la comunicación con el electorado, teniendo la doble función de servir como sustituto de la comunicación en los medios tradicionales o como puente para obtener esa misma cobertura mediática.

Palabras clave: Relaciones Públicas en la Política, Relaciones Públicas Digitales, Comunicación Política, Redes Sociales, Partidos Políticos.

1. Introdução

Outubro de 2019 representou um momento de viragem para a cultura política portuguesa por duas razões:

  1. 1. 1. Desde as primeiras eleições democráticas para a Assembleia Constituinte de 1975 que não emergia no panorama parlamentar um número tão grande de novos partidos, quebrando-se assim a tradição da repetição de ciclos políticos sem grandes surpresas no parlamento português, com relativa estabilidade entre os mesmos partidos aos quais os portugueses já seguiam habituados há décadas. É distinguível a ascensão simultânea de três novos partidos consideravelmente distintos, que introduziram novos temas na discussão política da agenda pública nacional;

    2. A situação de excecionalismo ou de impermeabilidade à extrema-direita de Portugal cessou, com o Chega, um partido de direita populista radical, conseguindo eleger o seu primeiro deputado no parlamento português. A extrema-direita portuguesa passou assim a conquistar maior capital mediático e o seu discurso inflamatório e polarizante está agora presente de forma mais consistente na nossa sociedade. De forma coincidente, nos últimos anos, movimentos e organizações pertencentes a este espectro político assistiram a um crescimento eleitoral considerável em todo o plano europeu e pelo mundo fora (Ashe et al., 2021; Jalali, 2017; Toscano, 2019).

Por estas duas razões, é notável a diferença deste ciclo da política parlamentar portuguesa comparativamente aos anteriores. Podemos até falar de uma rutura com a tradição instalada na Assembleia da República ao longo das décadas antecedentes. Que fatores poderão ter originado esta nova realidade?

O nascimento de uma maior fragmentação política poderá ser explicado por uma multitude de fatores como a tendência crescente, observada nas democracias representativas liberais ao longo dos últimos anos, para um aumento da desconfiança e do cinismo do eleitorado face aos partidos e às instituições políticas, que também se expressa através de elevados números de abstenção eleitoral (Belchior, 2015). Portugal também já foi destacado, em conjunto com a Polónia e a Eslovénia, como um dos países da União Europeia onde os cidadãos menos confiam nas instituições políticas, segundo dados do European Social Survey relativos a 2014 (European Social Survey citado por Belchior, 2015). Esta ausência de fé do cidadão comum na política tradicional poderá facilmente ser um catalisador da eventual maior procura pelo eleitorado português de alternativas no mercado de ideias políticas.

Contudo, se abordarmos o tema do ponto de vista das novidades no patamar da comunicação política, existe sobretudo um aspeto a ressalvar: encontramo-nos hoje em plena revolução digital, algures no meio do período de transição entre a web 2.0 e a próxima fase de desenvolvimento da internet.

Que paradigmas poderão os novos meios de comunicação digital implicar para os políticos? Poderá a nova conjuntura tecnológica representar uma oportunidade do ponto de vista comunicacional para os outsiders da política, que não estão presos aos vícios mais arcaicos dos políticos tradicionais?

Em 2016, nos Estados Unidos da América, ocorreu um fenómeno com traços similares — surpreendentemente, um completo outsiderexterior à elite política do país contornou os bloqueios dos sistemas político e mediático e tornou-se no novo presidente e protagonista político do país. Vários autores apontam que, nesta fase, a sua página no Twitter foi uma arma fundamental para chegar ao seu eleitorado e para obter cobertura jornalística (Enli, 2017; Ott, 2017).

Poderão as redes sociais ter desempenhado uma função semelhante para os novos partidos no parlamento português?

2. Revisão Teórica

2.1. Política 2.0

No ano de viragem para o atual milénio, van Dijk & Hacker (2000), adaptaram os vários sistemas democráticos possíveis definidos pelo cientista político David Held (2006) para uma nova conceptualização que tinha em conta o papel que a internet poderia acabar por desempenhar para o futuro da democracia. Estas expectativas de que a revolução digital poderia transformar a organização política da sociedade e o exercício da cidadania política bebem inspiração no pensamento de alguns dos informáticos pioneiros no desenvolvimento da internet durante os seus derradeiros primórdios, ainda durante o final da década de 1960, que eram apoiantes dos movimentos contraculturais da época. A sua esperança era de que, devido ao potencial do digital para quebrar os obstáculos geográficos e temporais na interação entre seres humanos, a burocracia governamental e a lógica capitalista viessem a ser substituídas por redes descentralizadas e horizontais de cidadãos. Com o auxílio da internet, estas redes seriam assentes em princípios como a circulação livre de informação, a autogestão e uma colaboração definida por decisões democráticas tomadas de forma horizontal, com uma sociedade menos classista ou definida por hierarquias. A internet faria ainda com que uma experiência de democracia direta ao estilo ateniense voltasse a ser possível ao nível do estado-nação (van Dijk & Hacker, 2000).

Contudo, não é garantido que o futuro da revolução digital possa resultar no aprofundamento da democracia. Castells (2001) alerta-nos para a possibilidade oposta, notando que a sofisticação crescente das tecnologias de informação e de comunicação podem resultar no fortalecimento do aparelho burocrático do estado, que pode conseguir obter um nível de monitorização e controlo sem precedentes sob os seus cidadãos, num cenário suscetível de degenerar para o autoritarismo.

A nível empresarial, também existe a hipótese de que a tendência de oligopólio presente entre as grandes empresas do mundo online, sediadas sobretudo no Vale do Silício, nos Estados Unidos da América, leve ao nascimento de uma nova forma de feudalismo digital, perante governos e estados que, num cenário favorável às políticas neoliberais, vão perdendo cada vez mais poder e protagonismo, que passam cada vez mais para a esfera privada. Esta relação feudal do cidadão comum com uma nova elite não será, como no passado, exclusivamente definida pela dependência laboral, mas também pela manipulação de consumidores e eleitores através dos seus dados pessoais (Jensen, 2020).

A revolução digital tanto poderá resgatar a democracia do abismo por potenciar novas formas de participação, colaboração e exercício da cidadania democrática capazes de revitalizar um sistema político desgastado como, inversamente, empurrar-nos para um cenário distópico com semelhanças às sociedades profetizadas pelas obras de George Orwell ou Aldous Huxley.

2.2. O Impacto das Redes Sociais no Ecossistema Mediático

Contudo, já é possível observar um paradigma em que a internet, de facto, contribuiu para a descentralização do poder — no mundo mediático, se olharmos para o seu impacto no jornalismo e nos media tradicionais. Com o emergir de plataformas assentes em conteúdos gerados pelo utilizador graças às funcionalidades de interatividade possibilitadas pela web 2.0, hoje, qualquer cidadão com acesso à internet e equipado com um smartphone tem o potencial de tornar-se num jornalista cidadão (Phillips & Young, 2009; Waddington & Earl, 2012). O poder de agenda-setting conceptualizado por McCombs e Shaw (1972), sumariamente definido como a capacidade de influenciar os temas debatidos e percecionados como importantes pela agenda pública, não é hoje exclusivo dos jornalistas, mas partilhado com toda a coletividade de utilizadores da internet.

Esta é uma das principais prerrogativas da revolução digital a destacar ao nível da comunicação — o fenómeno da desintermediação, isto é, a remoção dos gatekeepers anteriormente indispensáveis para um processo de comunicação eficaz com as massas. As redes sociais são um meio de comunicação com as massas desintermediado, no qual o emissor original da mensagem tem um maior controlo sob a mesma do que numa situação em que a dependência dos jornalistas seja maior (Waddington & Earl, 2012).

As fronteiras que separam o mundo offline do mundo online também aparentam tornar-se cada vez mais ténues com o passar dos anos. Nesta senda, Andrew Chadwick (2017) descreve o atual sistema mediático como “híbrido”, no sentido de que as redes sociais têm hoje o potencial de criar factos jornalísticos, que podem trazer cobertura mediática para um político com apenas um tweet. De acordo com Baptista et al. (2021), as redes sociais permitem aos políticos criar “máquinas de hype” que são frequentemente captadas pelos media tradicionais. Broersma e Graham (2018) afirmam que alguns políticos instrumentalizam deliberadamente as redes sociais para este fim.

3. Metodologia de Investigação

De acordo com Quivy e Campenhoudt (1992) um dos desafios prioritários numa investigação é definir quais os objetivos do estudo de uma forma que oriente o seu scope para metas simultaneamente exequíveis e que ainda assim possam preencher uma lacuna no conhecimento sobre determinada temática.

Na senda deste pensamento, definiu-se a seguinte pergunta de partida para esta investigação: “que uso fazem das redes sociais os partidos políticos que ganharam assento parlamentar pela primeira vez nas eleições legislativas de 2019 em Portugal?”

Por outro lado, a criação de hipóteses de pesquisa ajuda o investigador a definir a direção ou o caminho a seguir de forma mais específica (Quivy & Campenhoudt, 1992).

Foram determinadas as seguintes hipóteses para esta investigação:

Hipótese 1: os partidos consideram o digital uma prioridade na criação de relacionamentos mutuamente benéficos com o eleitorado e no âmbito de estratégias de comunicação bidirecional focadas em objetivos de Relações Públicas[1].

Hipótese 2: as páginas eletrónicas afetas a estes partidos são utilizadas para a obtenção de cobertura mediática e para o cultivo de relacionamentos com os media;

Hipótese 3: os partidos em questão acompanham a tendência para a personalização da comunicação política focando-se na representação de líderes, cabeças de lista ou deputados;

Hipótese 4: a comunicação nas redes sociais encetada pelos partidos políticos em estudo está assente numa abordagem estratégica, não sendo apenas reativa ou espontânea;

Hipótese 5: a gestão das redes sociais destes partidos é feita sob uma ótica profissionalizada e acompanha a evolução das tendências na comunicação para a social media.

Para produzir dados que pudessem responder à pergunta de partida e testar as hipóteses de pesquisa, nesta investigação, decidiu-se enveredar por uma metodologia mista, que combinasse em simultâneo métodos qualitativos e quantitativos, alinhada com a perspetiva filosófica do pragmatismo (Creswell & Creswell, 2018). Esta visão do mundo, quando assumida pelo investigador, não privilegia métodos quantitativos versus qualitativos ou vice-versa, defendendo apenas que a prioridade do investigador deve ser integrar todos os instrumentos e abordagens necessárias para compreender a realidade e responder às interrogações levantadas (Creswell & Creswell, 2018).

Nesta investigação optou-se por conduzir entrevistas semiestruturadas aos principais assessores de comunicação dos três partidos em causa – Chega (Patrícia Carvalho), Iniciativa Liberal (Bernardo Blanco) e Livre (Paulo Muacho) – sendo que, no caso do primeiro partido, acabou ainda por ser também simultaneamente entrevistado um dos vice-presidentes, Nuno Afonso, que fez questão de estar presente na entrevista à assessora.

Para além disso, foi realizada uma análise de conteúdo quantitativa às publicações realizadas pelas páginas de Facebook oficiais destes partidos durante o período da campanha eleitoral antecedente às eleições legislativas de 2019, entre 22 de setembro e 4 de outubro.

3.1. Análise de Conteúdo Quantitativa às Páginas de Facebook dos Partidos Chega, Iniciativa Liberal e Livre

Optou-se, neste caso, por uma análise paralela à definida pelo estudo conduzido por Ji et al. (2019), recorrendo a categorias semelhantes. No exemplo dado por estes autores, foram concebidas quatro categorias de análise de publicações de redes sociais: a funcionalidade interativa, a vivacidade, a carga emocional do discurso e os números do engagement (reações, comentários e partilhas).

No estudo aqui apresentado, pretendeu-se ainda avaliar a hipótese de uma correlação entre a presença de certos elementos nas publicações e os números de engagement que ditam a popularidade das mesmas. A avaliação desta correlação foi realizada através da condução do teste de correlação de Pearson com recurso ao software SPSS.

Por outro lado, a análise da carga emocional do discurso dos partidos utilizado nas suas publicações de Facebook foi realizada com recurso ao software SentiStrength. Este programa conduz análises sobre as emoções presentes num texto através do uso de um vasto dicionário com a atribuição de pontuações a cada palavra segundo o seu peso emocional ou a ausência dele, conferindo dois resultados diferentes (um para emoção positiva e outro para emoção negativa). Para a emoção negativa existe uma escala que pode ir de -1, sem emoção negativa; até -5, extremamente negativa; para a emoção positiva uma escala que pode ir de 1, sem emoção positiva, até 5, extremamente positiva; (Thelwall, 2017).

Exemplificando, uma palavra como “horrível” teria uma pontuação negativa de -4 enquanto a palavra “fantástico” teria uma pontuação positiva de 3. Palavras incrementais como “muito” são interpretadas como um prefixo que aumenta a pontuação das palavras seguintes, enquanto palavras de negação, como “não”, anulam a pontuação das palavras subsequentes nas frases em que surgem (Thelwall, 2017). Desta forma, é possível avaliar se o discurso digital dos partidos, no foro emocional, tem um teor optimista ou pessimista. Para além do teor, é ainda possível quantificar a intensidade total dessas emoções e fazer comparações entre diferentes elementos textuais.

Houve, contudo, um outro elemento que foi acrescentado a esta análise. Tendo em conta as conclusões de autores no âmbito das Relações Públicas na Política sobre a emergente tendência de um foco comunicacional apenas num candidato ou personalidade e menos no peso da máquina partidária ou ideologia (Bennett, 2012; Simorangkir & Pamungkas, 2017; Strömbäck & Kiousis, 2011) foi criada uma categoria intitulada “Personalização” que procurou inferir se esta característica estava presente em cada publicação analisada.

Resta acrescentar que esta análise focou-se no período da campanha eleitoral que antecedeu as eleições legislativas de 2019, entre 22 de setembro e 4 de outubro.

Seguem sintetizadas na Tabela 1 as categorias e subcategorias desta análise de conteúdo quantitativa.

Tabela 1
Categorização de Análise de Conteúdo Quantitativa

3.2. Entrevistas Semiestruturadas aos Assessores de Comunicação dos Partidos Chega, Iniciativa Liberal e Livre e Análise Qualitativa

A política é um fenómeno que surge de processos de interação humana. Para estudarmos tal fenómeno, que se prende com a natureza social do ser humano, tornam-se necessários instrumentos de recolha de dados que tenham em conta construções subjetivas de realidades e rituais sociais. A entrevista é a abordagem mais apropriada para este contexto, pois permite aos interlocutores comunicar as suas perceções, interpretações e experiências únicas (Quivy & Campenhoudt, 1992). Por outro lado, a entrevista semiestruturada é o tipo de entrevista mais utilizado em investigação social devido à sua adaptabilidade e flexibilização subjetiva (Daymon & Holloway, 2011; Quivy & Campenhoudt, 1992).

No que concerne à análise de conteúdo dos dados recolhidos com este instrumento, optou-se então por conceber cinco categorias centrais de análise que seguem uma linha de raciocínio coordenada com as cinco hipóteses de pesquisa definidas.

As categorias definidas foram as seguintes:

  • (a) perspetiva: quais as justificações do foco na comunicação digital e se estas se alinham com um modelo de comunicação bidirecional ou, inversamente, unidirecional.

    (b) pensamento estratégico: pragmatismo no planeamento e avaliação da comunicação digital.

    (c) equipa: se os responsáveis pelas redes sociais são remunerados ou voluntários; qual a dimensão da equipa; qual o investimento ao nível de recursos financeiros; qual o fundo académico e profissional; qual o seu nível de experiência e conhecimento sobre a prática;

    (d) cobertura mediática: impacto da comunicação digital na gestão de laços com jornalistas e na obtenção de destaque no ecossistema mediático;

    (e) personalização: primazia do foco numa figura individual em concreto, normalmente um líder partidário, candidato ou deputado.

Foram entrevistados os principais assessores dos seguintes partidos: Chega (Patrícia Carvalho), Iniciativa Liberal (Bernardo Blanco) e Livre (Paulo Muacho). No caso do Chega, foi também entrevistado um dos vice-presidentes, Nuno Afonso, que fez questão de estar presente na entrevista à assessora. Ao todo, foram entrevistadas quatro pessoas.

4. Resultados e Discussão

4.1. Análise de Facebook

Ao longo do período analisado, relativo à campanha eleitoral para as legislativas de 2019, entre os dias 22 de setembro e 4 de outubro, o partido Chega fez cerca de 104 publicações que acumulam um total 23.971 reações, 4.100 comentários e de 12.966 partilhas. Foi o partido que realizou mais publicações comparativamente aos restantes analisados. As médias por publicação foram de 231 reações, de 39 comentários e de cerca de 125 partilhas.

A publicação deste partido com maiores números de engagement foi uma publicação feita em 4 de outubro com um vídeo em que o primeiro-ministro António Costa era confrontado por um cidadão com uma acusação sobre a sua atitude perante a tragédia dos incêndios de Pedrógão Grande. Esta publicação continha um elemento de funcionalidade interativa e o texto que a acompanhava, da autoria do partido, tinha um teor negativo, com uma intensidade positiva de 2 e uma intensidade negativa de -12. Obteve individualmente mais de 2800 reações, mais de 2.000 comentários e mais de 7.600 partilhas.

Já o partido Livre, durante o período em análise, fez cerca de 61 publicações que acumulam um total 18.021 reações, 2.405 comentários e de 10.641 partilhas. As médias por publicação foram de 295 reações, 39 comentários e de 174 partilhas.

A publicação deste partido com maiores números de engagement foi uma publicação feita a 26 de setembro, em formato de vídeo, com um trecho da entrevista da cabeça de lista Joacine Katar Moreira ao programa televisivo do humorista Ricardo Araújo Pereira “Gente Que Não Sabe Estar”. Esta publicação tinha dois elementos de funcionalidade interativa e o seu texto tinha um teor negativo, com uma intensidade negativa de -5 e uma intensidade positiva de 1. Teve mais de 5.000 reações, 547 comentários e mais de 5.000 partilhas.

O Iniciativa Liberal fez cerca de 28 publicações durante o período analisado, que acumulam um total 23.714 reações, 1.646 comentários e de 3.941 partilhas. As médias por publicação foram de 847 reações, de 59 comentários e de cerca de 141 partilhas.

A publicação deste partido com maiores números de engagement foi uma publicação feita em 4 de outubro, com texto e uma imagem, em que se partilhava uma fotografia de um novo cartaz, que fazia um trocadilho com a palavra “Monopoly”. Fazendo alusão ao popular jogo de tabuleiro, transformando esta palavra em “Impostopoly”, criticava-se assim a governação do Partido Socialista e apelava-se ao voto. Esta publicação tinha um elemento de funcionalidade interativa e foi considerada como tendo um teor de sentimento neutro ou ambíguo devido à conciliação de um termo negativo com um termo positivo de igual peso, com uma intensidade positiva de 2 e uma intensidade negativa de -2. Obteve mais de 2.400 reações, 144 comentários e 465 partilhas.

Tendo em conta a análise emocional do discurso conduzida com o software SentiStrength, o Iniciativa Liberal foi o partido que, a nível percentual, fez mais publicações cujo teor, no geral, foi negativo. Ou seja, publicações em que o partido recorreu a um discurso no qual as emoções negativas estavam mais presentes do que as positivas. No entanto, o Chega foi o partido cuja intensidade negativa cumulativa foi mais forte, atingindo até, numa única publicação em particular, um somatório negativo de -47 devido à acumulação de muitas expressões negativas e drásticas no mesmo texto.

O Chega foi ainda o partido que fez mais publicações em que empregou um teor positivo a nível emocional. Mostrou também o somatório mais alto de intensidade emocional positiva. Aparenta, desta forma, ser o partido que recorre de forma mais forte ao apelo emocional no seu discurso digital, recorrendo intensamente tanto a emoções negativas como positivas.

No caso deste último partido, apurou-se, com a aplicação do teste de correlação de Pearson, uma correlação positiva entre o aumento de intensidade emocional negativa e a subida de todas as três métricas de engagement. Ou seja, as publicações com um discurso mais pessimista e emocionalmente intenso foram mais populares, gerando mais reações, comentários e partilhas.

Um resultado equivalente surgiu no caso do Livre, com a verificação de uma correlação positiva entre o discurso mais pessimista e a subida dos números de engagement.

O Chega é também de longe o partido cujas publicações mais se enquadram no paradigma da personalização da política, sendo a presença do líder do partido quase constante na sua comunicação digital. O Livre também adere a esta tendência, mas numa medida menor e acabando por dar visibilidade também a muitos outros cabeças de lista ou figuras do partido, de forma mais pluralista. O Iniciativa Liberal foi o partido que menos se enquadrou nesta tendência.

Foi verificado que as publicações que incluíram elementos de maior vivacidade tiveram uma performance ligeiramente superior a nível das métricas de engagement Reações e Comentários.

4.2. Análise de Conteúdo Qualitativa aos Dados Recolhidos Com as Entrevistas Semiestruturadas

No que diz respeito à categoria a) perspetiva, é demonstrado que as redes sociais são consideradas essenciais para o Chega desde os seus primórdios, sobretudo por fornecerem um meio para contornar a falta de cobertura mediática.

É mostrado algum foco na bidirecionalidade, com a preocupação em responder às interpelações dos seguidores e tendo colaboradores destacados especificamente para esse fim. O líder do partido surge também em vídeos com o intuito de dar respostas às perguntas dos seguidores. Para além disto, as redes sociais são usadas para envolver apoiantes nas manifestações do partido.

Muito à semelhança do Chega, o Livre reconhece que as redes sociais foram fundamentais para o partido desde o começo devido à tendência para a exclusão dos partidos mais pequenos da esfera mediática. Reconhece ainda o uso das redes sociais para a criação de momentos de diálogo entre os candidatos do partido e os internautas. As páginas oficiais do partido também são usadas para esclarecer dúvidas e informar diretamente os seguidores sobre temáticas relacionadas com as suas ideias e propostas.

O Iniciativa Liberal também elabora que as redes sociais foram essenciais para o partido, sendo que o digital se prende com a sua própria identidade. No entanto, indo ainda mais longe, mostra que o próprio manifesto que serviu de base à sua declaração de princípios foi feito com múltiplas contribuições fornecidas através da internet. O mesmo sucedeu com o programa político e, em menor medida, com o programa eleitoral. O partido continua por vezes a considerar sugestões dos seus seguidores para criar táticas de comunicação como publicações ou cartazes e, em alguns casos, para conceber até novos projetos-lei e propostas apresentadas na Assembleia da República. As redes sociais são também neste caso vistas como essenciais para contornar a falta de cobertura mediática e, assim, ganhar outro espaço onde se possa expor as ideias do partido. O Iniciativa Liberal enfatiza ainda o conceito de cross-media —, a ideia de que nenhuma tática comunicacional é dissociável do digital e todas se complementam, encontrando-se e cruzando-se nos espaços virtuais do partido.

No âmbito da categoria b) pensamento estratégico, do ponto de vista do planeamento, o partido Chega mostra andar a reboque das intervenções políticas do líder ou de outros aspetos da agenda mediática, não mostrando um grande foco na procura pela criação de alguma agenda própria.

O Livre, por outro lado, tenta conciliar a reatividade ao que acontece na agenda parlamentar ou mediática com a procura pela criação de alguma agenda própria relacionada com as suas ideias. É reconhecido também um público-alvo, um segmento do eleitorado em particular para o qual a comunicação é mais dirigida por ser considerado o eleitorado que tradicionalmente mais vota em partidos da Esquerda Verde Europeísta – o eleitorado jovem das grandes cidades, com formação académica superior e frequentemente mais feminino do que masculino. Será provavelmente o único partido que mostra uma preocupação com a monitorização de mudanças de conhecimentos e comportamentos do seu público, criando várias petições online relacionadas com as suas propostas que permitem monitorizar o nível de aceitação ou adesão às suas ideias. O foco na segmentação do público-alvo e em alguma monitorização de outcomes, aproxima parcialmente este partido de uma perspetiva de Relações Públicas.

O Iniciativa Liberal é o único partido que aparenta preocupar-se com as limitações diárias de publicações, definindo um máximo de três. Expressa ainda a ideia de um planeamento mínimo, uma criação de agenda própria conjugada com a reatividade aos acontecimentos da vida política do país, um pouco à semelhança do Livre. É também o partido que apresenta uma segmentação dos seus públicos mais sofisticada, reconhecendo dois públicos-alvo diferentes: a população jovem dos centros urbanos e uma classe média dinâmica ligada ao empreendedorismo. Apesar de as publicações não serem concebidas a pensar num público-alvo específico, são adaptadas à demografia maioritária de utilizadores de cada rede social.

Sobre a categoria c) equipa, todos os colaboradores que, à data de realização deste estudo, trabalhavam as redes sociais do Chega eram descritos como voluntários, com exceção de um designer gráfico. Contudo, a maioria dos voluntários tem formação ou experiência na área da comunicação. A assessora de comunicação do partido também tem alguma experiência e conhecimentos neste âmbito, mas sobretudo do ponto de vista da assessoria de imprensa. Existe ainda um relações públicas que apenas divulga informação interna via WhatsApp e coordena as páginas distritais. O investimento monetário na comunicação digital é afirmado como sendo muito reduzido, apesar de reconhecerem o encargo com a contratação de um designer gráfico.

O Livre começou por ter também um foco no voluntarismo. Apesar desse paradigma ainda se manter parcialmente, depois dos resultados eleitorais positivos em 2019, passaram a existir funcionários remunerados a fazer parte da gestão de redes sociais. No entanto, nenhum dos membros desta equipa tem formação na área da comunicação. Reconhece-se ainda algum investimento financeiro na promoção e conceção de publicações, apesar de não ser identificado qual o valor.

O Iniciativa Liberal perceciona o trabalho de gestão de redes sociais como inteiramente voluntário, com nenhum impacto financeiro, apesar de nesta equipa existir quem seja funcionário do partido no âmbito de outras funções como a assessoria. Nesta equipa de quatro pessoas, apenas uma tem formação na área da comunicação. É um membro da Comissão Executiva, com o pelouro da comunicação, que decide quem integra esta equipa. Quanto ao investimento monetário, o partido expressa que em 2019 foram gastos aproximadamente 5.000€ na promoção de publicações nas redes sociais.

Abordando a categoria d) cobertura mediática, o partido Chega reconhece que as redes sociais são uma ferramenta essencial para atrair a atenção dos jornalistas, algo que seria tradicionalmente difícil devido à dimensão reduzida do partido. É ainda reconhecido que existem publicações feitas expressamente com o intuito da obtenção de cobertura mediática.

O Livre também dá vários exemplos de táticas de comunicação digital que trouxeram ao partido destaque jornalístico, mas não é explícito se tal aconteceu de forma estrategicamente propositada ou apenas por acaso.

O Iniciativa Liberal também destaca que as redes sociais foram essenciais para a obtenção de cobertura mediática e para que os órgãos televisivos cobrissem o partido. Sendo que o partido tem uma identidade fortemente conotada com o digital, os conteúdos partilhados nas redes sociais também são enviados para os jornalistas.

Para terminar, sobre a categoria e) personalização, no caso do Chega, é notável que existe um grande foco na figura do presidente do partido, André Ventura, que está presente também na comunicação digital. Muitas vezes são as publicações das páginas pessoais do líder que servem de inspiração ou de base para as publicações das páginas oficiais do partido, sendo as intervenções do deputado trabalhadas posteriormente com esta finalidade. Como mencionado, já foram criados também vídeos nos quais o líder respondia diretamente às perguntas dos seguidores.

5. Conclusões

Deseja-se, a partir deste estudo, que seja possível auxiliar as organizações políticas, no futuro, a tomarem decisões estratégicas do ponto de vista da comunicação digital que aproximem os eleitores do exercício benéfico da cidadania democrática.

Para este fim, partiu-se da pergunta.“que uso fazem das redes sociais os partidos políticos que ganharam assento parlamentar pela primeira vez nas eleições legislativas de 2019 em Portugal?”.

O uso das redes sociais por parte destas organizações é um dos fatores mais importantes para o prosseguimento dos seus objetivos, algo que reconhecem amplamente. Para todos os partidos estudados, o digital é indissociável da sua existência no dia a dia político e mediático e foi o principal fator através do qual conseguiram despertar a atenção para as suas organizações. Apesar de assumirem como justificável o foco no voluntarismo na gestão das páginas e conteúdos digitais, a comunicação via redes sociais é vista como uma prioridade.

Um dos propósitos principais da comunicação digital é a criação de momentos que resultem em cobertura mediática, contrariando assim a falta de atenção por parte dos media à qual tradicionalmente estariam sujeitos enquanto partidos de menor dimensão.

Contudo, as motivações destes três partidos que justificam o foco no digital, aparentam prender-se apenas com o seu crescimento e a procura por bons resultados eleitorais. Este foco não segue aquilo que a está subjacente à teoria e prática das relações públicas, por várias razões.

Em primeiro lugar, os objetivos de comunicação devem ser explícitos, quantificáveis e mensuráveis (Grunig & Hunt, 1984). A definição deste tipo de objetivos e a sua monitorização permite avaliar e comprovar a eficácia dos esforços comunicacionais, bem como identificar debilidades e auxiliar a adaptação de posicionamentos. Não foi possível, nesta investigação, encontrar nenhum foco na definição de objetivos com este tipo de rigor.

Os objetivos de comunicação também devem emergir em conformidade com uma meta relacionada com assuntos ou problemas importantes para a eficácia da organização e serem um reflexo dos objetivos organizacionais. Devem ainda estar ligados a um público-alvo específico, mesmo que possam existir vários objetivos semelhantes para alvos diferentes. Devem sobretudo ser orientados para um efeito direto nas mudanças de conhecimentos e comportamentos. Urge ainda que não se caia no erro de confundir táticas com resultados. Por exemplo, um mero foco em produzir muitas publicações numa página digital não nos diz nada sobre o impacto que estas têm nas perceções dos públicos.

Whatmough (2019) defende ainda que o foco em monitorizar apenas as métricas de engagement como likes, partilhas ou cliques incide sob a mesma falácia. O facto de um internauta ter interagido ou visto um conteúdo não significa obrigatoriamente à partida que tenha uma opinião favorável sobre o mesmo, nem nos indica qual o efeito obtido.

Em suma, estes partidos não mostram um trabalhado centrado na mudança de conhecimentos e de comportamentos dos seus públicos, um aspeto que é basilar na teoria e prática das relações públicas.

Todos estes partidos reconhecem a importância da bidirecionalidade no âmbito da comunicação digital. No entanto, o Iniciativa Liberal terá sido o partido que mais aprofundou a simetria desta dinâmica, recorrendo ao feedback online dos seguidores e apoiantes para a conceção dos documentos fundadores do partido, de programas e de propostas políticas e ainda para a conceção de táticas de comunicação.

A tendência para a personalização da política também está presente na comunicação digital de pelo menos dois destes partidos, que se focam consideravelmente na representação dos seus líderes ou dos candidatos. O partido no qual este fenómeno menos se encontra é o Iniciativa Liberal.

Este último, em particular, demonstrou duas práticas inovadoras, que sugere poderem vir a ditar tendências futuras nas táticas de comunicação digital dos partidos políticos nos próximos anos.

A primeira é um formato de comunicação que se inspira no fenómeno dos memes de internet, pequenos conteúdos populares em websites de conteúdos gerados pelos utilizadores, presentes em muitas subculturas digitais, que são criados e difundidos para fins humorísticos, por vezes parodiando um aspeto corriqueiro da cultura popular ou uma figura pública. O que o Iniciativa Liberal procurou fazer foi exportar esta ótica para a comunicação política, que está presente tanto nas suas publicações de redes sociais como nos seus próprios cartazes.

O segundo aspeto está relacionado com um conceito que foi descrito pelo assessor do Iniciativa Liberal como o de “cross-media”. No fundo, consiste na ideia de que uma qualquer tática de comunicação é sempre indissociável da comunicação digital — por exemplo, os próprios cartazes do partido imitam a estética de memes e são concebidos com o intuito de serem replicados nas redes sociais.

A análise das publicações das páginas de Facebook realizadas durante a campanha eleitoral para as legislativas de 2019 também permitiu chegar a várias conclusões.

A maioria das publicações destes três partidos teve um teor negativo no que diz respeito à presença de emoções no seu discurso. A intensidade da carga emocional mais pessimista coaduna-se com o aumento de todas as métricas de engagement no caso do Chega. A intensidade emocional negativa também se relacionou com a subida das reações no caso do Livre. Os indícios sugerem que as publicações em que os partidos se expressam de uma forma que recorra a um apelo emocional mais negativo ou pessimista são mais populares e terão mais alcance.

O partido que realizou menos publicações durante este período foi o Iniciativa Liberal, acabando, ainda assim, por ter as maiores médias de reações e de comentários. Estes dados indiciam que, possivelmente devido ao funcionamento dos algoritmos das redes sociais, uma maior quantidade de publicações não se prende necessariamente com a subida dos números de engagement, algo que já tinha sido sugerido pelo autor Whatmough (2019).

Contudo, o Livre e o Chega foram os partidos que conseguiram ocasionalmente fazer as publicações mais virais, tendo atingido individualmente os níveis mais altos de reações, comentários e partilhas. No entanto, existe uma grande discrepância entre a performance individual destas publicações e a dos restantes posts destes dois partidos.

Neste trabalho, procurou-se apurar se os partidos políticos analisados focar-se-iam na definição de objetivos de comunicação centrados na mudança de comportamentos e conhecimentos (outcomes) e não apenas na transmissão e alcance de mensagens (outputs).

Nenhum dos partidos mencionou a definição de objetivos de comunicação que possam ser considerados como estando em linha com a natureza dos objetivos de Relações Públicas, sendo referida apenas a monitorização de métricas relacionadas com o crescimento das suas páginas eletrónicas e o alcance de publicações. Não se aparentou a existência de um foco na mudança de conhecimentos e de comportamentos nem na avaliação destes paradigmas. Assim sendo, não se pode concluir a aceitação total da Hipótese 1.

Contudo, é possível confirmar uma porção da afirmação subjacente a esta hipótese: de facto, os partidos políticos consideram o digital não só prioritário como essencial para o prosseguimento dos seus propósitos; só que estes não podem ser identificados como objetivos de relações públicas.

Das várias organizações políticas entrevistadas nesta investigação, todas deram exemplos de iniciativas começadas nas redes sociais que atraíram a atenção dos jornalistas e que colocaram os partidos nas televisões e nos jornais. Dois destes partidos afirmam diretamente que existem publicações concebidas de forma deliberadamente estratégica focada no intuito de trazer o partido para as ribaltas da imprensa, algo que, no passado, nunca aconteceria com os partidos mais pequenos, sobretudo aqueles que ainda não tinham expressão parlamentar.

As redes sociais constituem então uma ponte para os meios de comunicação que continuam a ser os mais utilizados no âmbito do consumo de informação — como a televisão.

À luz destes dados, assume-se que foram desvendados factos que resultam na confirmação da Hipótese 2.

Strömbäck e Kiousis (2011) identificaram que a personalização da comunicação política é uma tendência emergente. Sobre isto, Bennet (2012) defende que as novas tecnologias digitais levam a uma certa fragmentação sócio-cultural, um paradigma que, aliado ao esbatimento do peso das ideologias na pós-modernidade e à emergência dos partidos de catch-all, leva a que hoje muitos eleitores se foquem no apoio a personalidades concretas e não na tradicional lealdade a ideologias ou a aparelhos partidários. De facto, nesta investigação verificou-se que estes conceitos se aplicam, em certa parte, à realidade dos partidos estudados.

No caso do partido Chega, foi reconhecido que é o próprio líder que dá o mote que serve de base à comunicação digital do partido. As mensagens que o próprio publica nas suas redes sociais pessoais são indissociáveis da macroestratégia digital do partido como um todo, servindo como o seu principal alicerce. A análise às publicações da página oficial do partido na rede social Facebook durante o período da campanha eleitoral para as legislativas de 2019 resultou ainda na observação de que 72,1% dos posts se focavam na figura do líder, numa amostra de 104 publicações realizadas durante o período da campanha eleitoral. Algumas destas publicações eram até partilhas oriundas da sua página pessoal.

No caso do Iniciativa Liberal, esta perspetiva foi rejeitada no plano ideológico sobre a conceção do partido durante a entrevista conduzida ao seu assessor.

No que diz respeito ao partido Livre, foram dados exemplos de momentos durante campanhas eleitorais em que os gestores das páginas do partido tiveram inclusive acesso às redes sociais pessoais dos candidatos. Além disso, 52,5% das publicações na sua página oficial mostraram também este foco pessoal nas candidaturas ou na liderança do partido, numa amostra de 61 publicações realizadas durante a campanha eleitoral. Contudo, este foco não se restringiu apenas a uma ou duas personalidades e foi muito diversificado, com a realização de múltiplas publicações que apresentavam os vários cabeças de lista do partido por todo o país. Apesar de podermos considerar que a personalização da comunicação política também esteve aqui presente, é revelada, neste caso, uma natureza mais diversificada e pluralista.

Face a estes dados, sendo que dois dos três partidos estudados revelam este foco, podemos concluir a aceitação da Hipótese 3.

Ainda assim, esta conclusão surge com uma ressalva: apesar da personalização na comunicação política ser uma tendência, ela não assume sempre as mesmas formas — em alguns casos pode estar assente apenas no enaltecimento de uma única figura da organização (uma condição mais próxima do caráter personalista ou de culto do chefe) e noutros assume uma natureza mais pluralista como mecanismo para dar a conhecer as várias candidaturas pelo partido.

Ao nível do planeamento estratégico, o partido Chega indicou que as suas publicações são definidas, sobretudo, pelas intervenções políticas do partido e pelos assuntos em voga na agenda parlamentar e mediática. Para além disto, apesar de o presidente do partido, em entrevista a Ricardo Marchi (2020), ter identificado três segmentos do eleitorado considerados fundamentais para os seus objetivos (a direita clássica das elites mais conservadoras, as bases populares do interior do país e a classe média e média-baixa dos subúrbios sensível ao discurso securitário), o vice-presidente entrevistado para este trabalho recusou a ideia da segmentação de públicos no âmbito de objetivos de comunicação.

O partido Livre também mostra que a sua comunicação é maioritariamente definida pelos assuntos da agenda parlamentar em voga na esfera política do país. No entanto, menciona que o partido também faz um esforço para ter alguma agenda própria relacionada com campanhas e temas específicos. Identifica como principal público-alvo aquele que é o eleitor-tipo da Esquerda Verde Europeísta — o eleitorado mais jovem, entre os vinte e os quarenta anos de idade, com formação superior, habitante nas principais cidades do país e mais feminino do que masculino.

O Iniciativa Liberal destaca o conceito de “planeamento mínimo”, ou seja, um planeamento que não pode ser excessivo devido à própria natureza frenética e responsiva das redes sociais que requer ajustes constantes e devido à qual é preciso saber responder muito depressa a acontecimentos recentes e inesperados. Mas, para todos os efeitos, não deixa de haver algum planeamento e a procura da criação de agenda própria, que se procura conjugar com a espontaneidade — uma espécie de perspetiva híbrida na qual se procura encontrar espaço para ambas as abordagens.

Este partido identifica ainda dois segmentos de públicos: a população jovem dos centros urbanos, onde a abstenção é maior, e uma classe média dinâmica ligada ao empreendedorismo.

Apesar de haver um foco na reatividade espontânea, este aspeto não se desliga de algum nível de pragmatismo através da noção dos públicos aos quais se pretende chegar, de limites diários de publicações e da procura pela criação de alguma agenda própria — algo descrito como um “planeamento mínimo”, uma ideia reforçada pela Iniciativa Liberal e também pelo Livre em menor medida. Por estas razões, assume-se a confirmação parcial da Hipótese 4. Faz-se, no entanto, a ressalva de que houve uma organização que menos se enquadrou nesta ideia —, o partido Chega.

Por fim, assume-se também a rejeição da Hipótese 5. Apesar de alguns destes partidos estarem perto do topo do ranking de páginas políticas nacionais e de a instrumentalização da social media ter sido crucial para o seu sucesso, constituindo uma ferramenta que nem sempre esteve disponível ou fora devidamente usada por outros partidos minoritários mais antigos, a verdade é que o trabalho de gestão de redes sociais ainda é visto como algo de intrinsecamente assente no voluntarismo, o que poderá eventualmente explicar algumas limitações. Mesmo os integrantes destas equipas, que são assalariados do partido no âmbito de outras funções como a assessoria encaram a gestão de redes sociais como uma tarefa à margem e desempenhada de forma voluntária. Apesar disso, alguns destes voluntários têm formação na área da comunicação.

No Chega existe um colaborador que é descrito como “relações públicas”, apesar de não ter ficado claro se tem formação na área. No caso deste último partido, destaca-se ainda que existe um designer gráfico responsável pela criação de imagens e dos vídeos do canal de YouTube que não exerce as funções de forma voluntária, sendo o seu trabalho remunerado.

Entre as várias conclusões deste estudo, destaca-se de forma fulcral a demonstração de que a comunicação digital, particularmente nos social media, foi um instrumento-chave e essencial para estes partidos graças à possibilidade de ser usada não apenas como um substituto da falta de presença noutros meios de comunicação, mas também como um ponto de passagem para os media tradicionais numa ótica transmediática. Ressalva-se também a descoberta de indícios que apontam para a possibilidade de um discurso mais intenso do ponto de vista das emoções negativas resultar em publicações mais populares nas redes sociais, levando ao aumento das métricas de engagement.

Referências

Ashe, S., Busher, J., Macklin, G., & Winter, A. (Eds). (2021). Researching the far right: Theory, method and practice. Routledge.

Baptista, C. M., Ferreira, A. H., & Ferreira, A. C. T. (2021). Hibridismo e transmedialidade na comunicação política dos partidos portugueses no Instagram e no jornalismo político televisivo. Media & Jornalismo, 21(38), 123–142. https://doi.org/10.14195/2183-5462_38_6

Belchior, A. (2015). Confiança nas instituições políticas. Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Castells, M. (2001). The internet galaxy: Reflections on the internet, business and society. Oxford University Press.

Bennett, W. L. (2012). The personalization of politics: Political identity, social media, and changing patterns of participation. The ANNALS of the American Academy of Political and Social Science, 644(1), 20–39. https://doi.org/10.1177/0002716212451428

Berrios, R., Totterdell, P., & Kellett, S. (2015). Eliciting mixed emotions: A meta-analysis comparing models, types, and measures. Frontiers in Psychology, 6, 428. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2015.00428

Broersma, M., & Graham, T. (2018). Tipping the balance of power: Social media and the transformation of political journalism. In A. Bruns (Ed,), The Routledge companion to social media and politics. (pp. 89–103). Routledge.

Chadwick, A. (2017). The hybrid media system: Politics and power. Oxford

Notas

[1] A presente investigação surgiu no âmbito de uma dissertação de mestrado na área das Relações Públicas, pelo que a análise do objeto de estudo foi feita também necessariamente à luz da teoria deste campo disciplinar.

Autor notes

Rafael Pinheiro Lopes é Mestre em gestão estratégica das relações públicas e licenciado em jornalismo pela Escola Superior de Comunicação Social. Atualmente matriculado no doutoramento em ciências da comunicação do Instituto Universitário de Lisboa.

Investiga a interseção entre a comunicação política e a tecnologia e as suas implicações para a democracia.



Buscar:
Ir a la Página
IR
Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
Visor de artigos científicos gerado a partir de XML JATS4R